Memórias de Missão

Missão da MaS na Guiné-Bissau em 2018

 

Palestra de sensibilização aos professores das escolas em Uno

Em 2018, na minha qualidade de enfermeira, fui pela Mundo a Sorrir (MaS), uma ONG de dentistas, numa missão de três meses à Guiné-Bissau, com o jovem dentista Guilherme. A MaS propõe-se melhorar a saúde oral das populações e também a saúde em geral. Tem vários parceiros na Guiné-Bissau e aquele que primeiro nos acolheu foi a Missão Semide.
A Missão Semide é evangélica de origem brasileira e é na casa do casal fundador, em Bissau, o Pastor José e a Missionária Sirlene, que fica o armazém com todo o material da MaS, assim como instalações para os voluntários e a clínica social que na altura estava em construção mas que já foi inaugurada em Fevereiro deste ano. O trabalho destes missionários é desenvolvido nos Bijagós, construindo escolas e igrejas que ficam a ser dirigidas por um casal vindo do Brasil em estreita dependência do casal fundador que agora reside em Bissau.
Trabalhámos em cinco ilhas dos Bijagós, em que a Missão Semide tem escolas: Uno, Unhocomo, Formosa, Nago e Unhocomozinho. Em Uno, começámos por fazer uma palestra de sensibilização sobre saúde oral, hábitos de vida saudáveis, enfatizando a alimentação adequada, aos professores (todos guineenses).

Nos dias seguintes, durante a manhã fomos a cada uma das escolas da Missão e depois da palestra de sensibilização sobre os mesmos temas aos alunos, fizemos, turma por turma, o rastreio de cáries, a aplicação de corante e a promoção da lavagem das mãos antes da lavagem dos dentes. Nos casos das crianças em que eram encontradas cáries, era pedido para dizerem aos pais para irem à consulta na parte da tarde.

Lavagem das mãos antes da escovagem dentária

De seguida, com as escovas novas que levámos, as crianças procediam à lavagemdos dentes com supervisão para que eliminassem o corante.

Esta atividade era precedida pela execução dos suportes com as escovas com o nome dos meninos, um por turma.

Nas escolas de três destas ilhas, a MaS já começou há vários anos o projeto de promoção da escovagem bi-diária dos dentes, sendo assim necessário a substituição das escovas, o fornecimento da pasta e a introdução às crianças que entraram para o primeiro ano e o reforço para aquelas que continuam na escola.
Depois do almoço e da sesta, o dentista Guilherme fazia as consultas e os tratamentos restauradores e/ou exodontias não cirúrgicas (extração de dentes ou raízes) com o meu apoio.
Para isso, levámos de Bissau uma mala grande e pesadíssima que continha a unidade odontológica móvel autónoma, cujo funcionamento estava

Suportes de escovas de dentes, um por turma

dependente dos geradores a gasóleo existentes nas casas da missão. Os espaços físicos não tinham nem eletricidade nem água corrente, a cadeira para sentar as pessoas era uma cadeira normal de plástico e a falta de condições era tal que exigia uma concentração constante para assegurar que os procedimentos eram feitos com segurança.

No final de cada consulta, eram oferecidas uma escova e uma pasta à pessoa que tinha sido tratada.
O transporte entre as ilhas foi feito de “canoa” da Missão Semide, um barco a motor com capacidade para cerca de 90 pessoas e que transporta tudo para as ilhas e entre as ilhas.

Tratamento dentário em Unhocomozinho

Quando saímos de Bissau, e como íamos estar um mês nas ilhas, a nossa bagagem não tinha fim: era a mala da unidade odontológica, dois carros de material pequeno, o instrumental cirúrgico, a panela de pressão para a desinfeção de alto nível desse instrumental, os caixotes de pastas, de escovas, de kits odontológicos, as malas pessoais e 20 garrafões de 20 litros de água para bebermos.
Na ilha Formosa, a casa da missão foi visitada por pelo menos duas mulheres que me quiseram conhecer especificamente: estão habituadas a ver nestas missões voluntários jovens e quiseram conhecer a mais velha.
As ilhas não têm cais, têm pontões e algumas nem isso: no desembarque em Unhocomo, saímos do barco diretamente para a água.

Em Bissau, trabalhámos com o parceiro PEPE (Programa de Educação Pré-Escolar) Internacional: visitámos escolinhas em que fazíamos uma palestra sobre a importância da saúde oral, da higiene bucal e da nutrição e uma demonstração da escovagem dentária utilizando o tipodonto (modelo parcial da boca com dentes e língua para ensino).

Barco da Missão Semide

Estas crianças de 5 e 6 anos não entendem e não falam português, portanto, tinha de haver tradução simultânea para crioulo para conseguir passar a mensagem. No final, deixávamos uma escova e uma pasta por criança para levarem para casa.

Fora de Bissau, trabalhámos em Cacine (bem ao Sul do país), em Farim, e em Susana, Varela e São Domingos (bem ao Norte).
Em Cacine, o parceiro foi a Associação dos Amigos das Escolas da Guiné-Bissau, personificada na pessoa do Pastor Valberto, também da igreja evangélica e possuidor de uma grande visão e prática ecuménica. Este pastor tinha pedido que fizesse uma palestra sobre a gestão da higiene menstrual, palestra que realizei na Escola Betele que foi traduzida simultaneamente em crioulo e nalu, dialeto daquela zona.

Desembarque em Unhocomo

A Associação dos Filhos e Amigos de Farim foi o parceiro em Farim e também aqui realizei a mesma palestra em várias turmas de adolescentes na escola secundária da missão católica, com tradução simultânea para crioulo, feita pelo diretor pedagógico.
Em São Domingos, Susana e Varela, o parceiro era a VIDA (Voluntariado Internacional para o Desenvolvimento Africano, ONGD portuguesa) que tinha uma equipa no terreno a desenvolver uma Associação de Mutualidade de Saúde de Susana e Varela.
Quando chegámos a Bissau, em Setembro, ainda não tinha acabado a época das chuvas e o calor era abrasador, mas foi diminuindo, e em Dezembro já se estava muito bem. Nas ilhas, há muito menos calor. Nos sítios em que não há água canalizada, a higiene pessoal tem de ser feita com a ajuda do caneco, um púcaro com o qual deitamos água sobre nós: não é nada cómodo! Foram três meses a andar de mala na mão: ficámos muito bem instalados nalguns sítios e menos bem noutros, mas sentimos que as pessoas deram o seu melhor para nos fazer sentir bem.

PEPE em Ponta Vicente

O apoio da MaS foi uma constante, o que transmitiu muita segurança. Estivemos uma vez por mês alojados um fim de semana no Hotel Coimbra, em Bissau, contribuição à MaS do dono deste hotel. Nesses dois dias só saímos dos nossos respetivos quartos para ir ao restaurante do hotel comer: ficávamos a gozar os duches, o ar condicionado, a televisão e a internet.
Deu-me imenso prazer fazer esta missão: foi desafiadora ao ser completamente fora da minha área de conforto, obrigando-me a reflexão e a pesquisa, mas sentindo que estava a fazer sem dúvida enfermagem ao serviço das comunidades.

 

Rosário Athayde

Voluntária da SMV