José Alves Jana, que todos tratam por Jana, é filósofo e estudou nas Universidades de Lisboa e Coimbra. Foi professor de filosofia e de várias outras disciplinas, sobretudo em Abrantes, onde vive. Na Ser Mais Valia já dirigiu a equipa de comunicação e hoje coordena o EscritAfricando, um projeto de apoio a jovens estudantes oriundos dos PALOP que pretendam ser escritores ou aprimorar as suas competências de escrita. Mas o Jana desdobra-se em muitas outras atividades. Vamos conhecer o seu Lado B.
A filosofia é uma paixão na tua vida?
Uma das várias paixões. É sobretudo um serviço: pensar a vida para que ela seja melhor. A vida das pessoas singulares, bem como a das comunidades humanas. Uma das caraterísticas do ser humano é o desejo de mais e melhor. Então, há que saber o que queremos.
Como e quando surgiu a ideia do projeto EscritAfricando e que balanço fazes destes 4 anos?
O princípio de tudo esteve em Bissau, quando um grupo de jovens poetas deu a perceber que queriam melhorar a sua escrita e também não viam forma de dar a conhecer a sua produção poética. A iniciativa do projeto ocorreu em 2020 na equipa de comunicação que eu então coordenava. Quanto a resultados… Os mais importantes são invisíveis: a manutenção da chama da escrita, uma melhor compreensão do fenómeno literário, a melhoria da competência de escrita… Depois há os visíveis: três edições com textos da autoria dos “jovens escritores”, as participações em quatro Encontros realizados em Lisboa e algumas (poucas) em oficinas temáticas online, a rede de relações que se estabeleceu ao longo dos anos, o apoio de revisão a antologias e obras da iniciativas dos ditos jovens… e a afirmação de um campo de trabalho a que não é costume dar atenção.
Dos muitos jovens que passaram pelo Prémio EscritAfricando surgiu algum que se destacasse e prosseguisse esse sonho de ser escritor?
Só existimos há 4 anos, ainda não deu para um dos nossos jovens ganhar o Nobel. Nem é esse o nosso objetivo. Muito menos que os êxitos desses jovens sejam creditados ao EscritAfricando. Eles estão a fazer o seu caminho. Se nós conseguirmos manter a chama acesa, colocar alguns tijolos na estrutura do seu edifício literário e dar algum público ao que produzem… estamos a fazer o que nos compete. Alguns dos jovens escritores que participam nas nossas atividades e/ou que recebem a cada mês uma “carta sobre escrita” dizem que, para eles, tem sido muito importante. Quem somos nós para dizer o contrário? É importante percebermos que este não é um projeto de massas. Não são muitos, seja onde for, os que querem ser escritores, menos ainda os que trabalham para isso.
Graças aos vários encontros promovidos pela SMV, organização de oficinas literárias e do Prémio, tens contactado com muitos escritores e jornalistas dos PALOP. Qual a sua recetividade para inspirar e apoiar estes jovens?
Não “eu”, mas “nós”, os sete membros da equipa do EscritAfricando, temos vindo a encontrar uma grande recetividade por parte de todas as pessoas a quem temos pedido colaboração, e não só autores. Aliás, os escritores são convidados a participar na qualidade de “irmãos mais velhos” na arte da escrita e sentimos que o fazem com gosto. Eles são a candeia que vai à frente dos jovens autores e vão dizendo que vale a pena, mas que não é fácil. Até porque uma coisa é um jovem sentir-se “escritor” porque faz uns poemas de juventude e outra, muito diferente, é criar uma obra literária que vale por si mesma e se afirma como património da sua cultura e do mundo.
Além de voluntário da SMV, editaste livros sobre filosofia, escreves em edições periódicas e estás envolvido em muitas iniciativas culturais. Sentes que o facto de teres deixado de trabalhar te dá tempo e energia para fazer o que gostas?
Não. Nunca deixei de trabalhar (deixei apenas de estar empregado) e sempre fiz coisas de que gostava. Comecei a escrever em jornais aos 15 anos e ainda não deixei, comecei a fazer intervenção sociocultural pelos 20 anos e ainda não deixei, comecei a lecionar como professor aos 21 anos e ainda não deixei (hoje como voluntário). É importante uma pessoa fazer aquilo que gosta ou, no mínimo, aprender a gostar daquilo que tem de fazer.
No contexto atual de aceleração em que as máquinas parecem fazer muita coisa por nós, como se pode devolver à filosofia o lugar central que já teve na sociedade, e em particular na educação dos jovens?
O trabalho da filosofia com os jovens está confiado aos professores. Nesse campo, o segredo está na qualidade dos professores. Apostar na formação dos professores é a via correta. Mas, para lá disso, seria importante que fora da escola houvesse uma presença ativa da filosofia na sociedade – para jovens e para adultos. Esse é outro lado ainda por desenvolver para lá da publicação de livros ou de algumas entrevistas a autores. A filosofia acantonou-se demasiado na Academia. Trazê-la para a rua é um imperativo social.
Aliás, o dito “contexto atual de aceleração” devia alertar-nos para o perigo de irmos a acelerar a caminho de uma parede ou de um abismo. E não é o que se passa? Então, é importante fazermos tempos de pausa para pensar e irmos sempre pensando no caminho que estamos a percorrer, na vida pessoal, nas organizações a que pertencemos e na sociedade de que somos parte. Quem não pensa pela sua cabeça pensa e age pela cabeça de outros.
Obrigada, Jana.
Ana Suspiro
Voluntária da Ser Mais Valia