Carta a um Guineense

Caro Amigo Guineense

Acabei de conhecer o teu país Guiné-Bissau,  um país muito jovem (esperança de vida 55,5 anos), pequeno (1.700.000 habitantes)  e muito espalhado. País lindo e verde com as 88 ilhas do Arquipélago de Bijagós reconhecido como Reserva da Bioesfera em 1996 pela UNESCO, país onde a sã convivência entre etnias e religiões diferentes (cerca de metade da população é muçulmana, 13% cristãos e os restantes animistas) é um exemplo no mundo de hoje.

Estive aí 4 semanas a trabalhar, como voluntária, com a língua portuguesa, potenciando a competência oral e escrita dos vossos falantes da vossa língua oficial. Fiquei integrada num hospital, S. José em Bôr, gerido por um diretor sonhador, o Dr Alberto Quematcha, com o apoio duma equipa toda ela jovem, interessante, lutadora, que aproveitava as possíveis ‘fugas’ das tarefas diárias do hospital (que cumprem com dedicação e sem horário) para virem ter comigo para aprofundar a prática da língua, tentando que eu fosse ao encontro pontual das suas diferentes dificuldades de construção da frase, do uso dos verbos, da pontuação do discurso. Emocionou-me.

É a nossa língua, minha e vossa, mas falada por apenas 14% da população da Guiné-Bissau, rodeada de países falantes de francês e que tentam uma colonização também de língua. E, apesar da escolaridade média de 2,9 anos, da grande mortalidade infantil, do enorme analfabetismo, do isolamento, e da falta de escolas e de estradas e ruas transitáveis, e de hospitais, e de comida e alojamento condigno, e de condições mínimas… nada vos desanima e lutam por uma vida melhor num país que é vosso.

Quanto ao trabalho que aí realizei, foi pena ser tão pouco, e havia tanto a fazer! Para mim, foi desafiante e enriquecedor, mas foi apenas uma gota de água no oceano…

Oxalá o teu País e o meu concertem um programa, baseado num alargamento e aprofundamento da nossa língua comum, e também, porque não?, em interesses económicos e culturais comuns, em que ambas as partes, de certeza, ganhariam.

Com o coração senti angustiante a pobreza, emocionante a simpatia, desesperante a aceitação dum não-tempo, num conformismo de sobrevivência! Senti assim! Mas… tenho um sonho; o sonho dum mundo possível sem estas injustas, inacreditáveis e desesperantes desigualdades!

Lurdes Silva

Outubro 2018