A sustentabilidade do meio ambiente como condição para os direitos humanos se cumprirem
Por Pedro A. Neto, Diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal
Mais um dia internacional. São efemérides que me custam, pois foram declaradas por necessidade e não para celebração. Se há um dia internacional de alguma coisa é sinal que é preciso agir por esse desígnio.
Desta vez, e a convite da Ser Mais Valia, a ocasião é o Dia Internacional da Terra. Nunca, como hoje, este desígnio fez tanto sentido e teve tanta urgência. Nunca, como hoje, uma geração humana viu tantas transformações e alterações climáticas no planeta, que transformam habitats inteiros e modos de vida de toda a natureza – onde o ser humano se inclui – e colocam em perigo de não adaptabilidade e extinção tantas espécies – entre as quais também o ser humano se encontra.
Somos interdependentes. Necessitamos da natureza e dos recursos do planeta Terra para viver, para comer, para respirar, para vestir. Para tudo. Se consumirmos os recursos num só fôlego de duas ou três gerações humanas, nada restará para os vindouros. Mas o problema já não é de futuro. Essa narrativa já não colhe. O problema é já do presente. Já estão colocados em causa direitos humanos fundamentais, devido às alterações climáticas, à escassez alimentar assoberbada por secas, às culturas intensivas, aos conflitos que causam deslocações em massa de pessoas para territórios que assim ficam em grande pressão.
Veja-se, a exemplo, o lago Chade. No centro do continente africano banha quatro países – Níger, Nigéria, Camarões e Chade. Devido aos conflitos e às secas, muitas pessoas têm migrado para as margens deste lago, aumentando a pressão sobre ele, quer no recurso à água para consumo e agricultura, quer na pesca. Nos últimos anos, a área do lago tem mesmo diminuído. De 1967 até ao presente, o lago decresceu de 25.000 km2 para 1.350km2 segundo a Scientific American, após análise de imagens de satélite da NASA. Estima-se que, secando, deixará milhões de pessoas sem subsistência.
Mas até perto de nós podemos sentir estas alterações. A cidade de Viseu já teve de ser abastecida de água, artificialmente, por camiões cisterna durante várias semanas. O Alentejo e o Algarve vivem também períodos recorrentes de seca. O empreendimento do Alqueva iria resolver este problema, mas parece que, atraindo investimentos em larga escala de agricultura intensiva, o problema veio agravar-se. Outros exemplos poderíamos dar, quer no território português, quer noutros países do mundo e com maior gravidade.
A boa notícia é que as soluções estão ao alcance e implicam-nos a todos.
Há vários níveis de responsabilidade entre consumidores, empresas e Estados. Nenhum destes três poderá resolver as questões de sustentabilidade do planeta sozinho. Todos têm de estar nelas.
Tornarmo-nos todos vegetarianos não resolverá a situação per se. Do mesmo modo, não basta aos Estados fazerem acordos internacionais e legislarem, se os consumidores e empresas não acompanharem essas políticas e as contornarem. Todos precisamos de agir e de nos implicarmos.
Os governos, devem implementar políticas públicas eficazes e sustentáveis, promovendo uma educação ambiental e de direitos humanos, protegendo os defensores e as defensoras de direitos humanos e ambientais, cumprindo e fazendo cumprir as metas ambientais e compromissos assumidos na redução da emissão de gases com efeito de estufa. Essas políticas públicas devem ter incentivos ao mercado, para que ele se possa transformar. Incentivos que vençam o lucro causado pela poluição e pelo descartável.
As empresas, que promovam o ambiente, sabendo que não terão negócio se o destruírem, se nos destruírem. Devem desenvolver e investir na investigação de soluções e produtos sustentáveis colocados, depois, no mercado. Que sejam transparentes nos produtos que vendem e sigam um código de ética no comércio, exemplar e respeitador dos direitos humanos e ambientais.
Nós, que nos responsabilizemos pelas nossas escolhas. Que as façamos com equilíbrio e sustentabilidade, que sejamos exigentes nos produtos que consumimos, na sua origem, na sua cadeia de produção, na sua pegada ecológica. Cada um de nós tem todo o poder de fazer a diferença, desde manhã quando abrimos a torneira, até ao momento em que nos deslocamos e vamos ao supermercado. As escolhas que aí fazemos podem fazer a diferença e modelar o mercado, as empresas, os governos. E os produtos que são sustentáveis não podem ser mais caros que os descartáveis e poluidores. A classe social a que se pertence não pode ser razão de escolha de consumo. Estamos a colocar-nos em causa enquanto humanidade se a pobreza for indicador de falta de opções e de escolhas.
O planeta quando falhar, falhará a todos. Não deixará ninguém para trás. Nisso, ele é justo, mas nós desequilibramos essa balança. É aí que temos de intervir. Os próximos anos colocarão em causa a vida de grupos de pessoas em circunstâncias mais vulneráveis, que vivem em situação de pobreza, que vivem em ecossistemas mais frágeis. Já é do tempo presente as pessoas que se deslocam devido às alterações climáticas. Para quando esse estatuto de refugiado climático?
Tantas perguntas, mas também já tantas respostas. Vamos à ação! Ela é urgente.
Pedro A. Neto
Diretor Executivo da Amnistia Internacional Portugal