Há tanto “colo” para dar!…

Graciela Pinheiro é uma apaixonada por S. Tomé, onde já esteve em trabalhos de
cooperação. Há pouco voltou em visita privada e deixou-nos um testemunho emocionado
dessa experiência. Assim:

Fazer missão de voluntariado em África, terra de sonhos, beleza e magia, é muito mais do que
uma simples partilha de experiências e conhecimentos adquiridos ao longo da nossa vida
profissional.
Num terreno fértil, e repleto de singulares recursos endógenos, somos confrontados, por
paradoxal que pareça, com uma pobreza extrema, o visível abandono social, a manifesta
escassez das infra-estruturas básicas… enfim, com a falta de horizontes capazes de alimentar a
esperança das populações.
Assim, um simples e afectivo gesto, simbolizado num abraço, ou mesmo num colo acolhedor,
ou simplesmente deixar-se tocar, pode, em tal contexto, fazer toda a diferença, susceptível de
arrancar um sorriso rasgado de felicidade, de conforto e de esperança.
Nesta minha última deslocação a São Tomé, que percorri de Norte a Sul, vivenciei realidades
impressionantes, algumas delas já experimentadas noutros momentos, pois foi a minha quarta
deslocação àquela fantástica Ilha. Vivências muito fortes que nos contagiam e nos remetem
para um estado de permanente inquietação.
Uma jovem mãe, que logo no primeiro contacto me pede para trazer comigo a filha, uma
criança de dois anos de idade! Limitei-me a um ligeiro sorriso, como única resposta ao seu
apelo, pensando mesmo tratar-se de uma brincadeira. Mas não !… No segundo dia foi-me
reiterado o pedido e ao terceiro dia foi-me insistentemente implorado.
Só neste momento acordei! Acordei para uma realidade que existe, mas de que ainda não me
tinha dado conta, em toda a sua dimensão!
Então conversámos. Precisava de perceber os motivos que levam uma mãe, aparentemente
desprendida, a dar o seu filho a estranhos, em troca de nada!
Não!…Mas não era em troca de nada! A jovem mãe, linda e com um sorriso contagiante, deu-
me a seguinte resposta: "…porque eu sei que ela ficará melhor se for contigo…" .
Interroguei-me: Amor de mãe, que quer o melhor para o seu filho… ou falta dele?
Seguramente a primeira premissa!

Na mesma comunidade visitei uma Escola do Ensino Básico que me fez evocar, em alguns aspectos, dos meus já recuados tempos de escola. As carteiras, comportando cada uma dois alunos, nesta escola serviam cinco, com todas as dificuldades que se adivinham. Assisti, deste modo, a uma ” luta ” de corpos, alguns deles bem franzinos, em pacífica disputa por uma preciosa nesga de espaço.
Algumas turmas não dispõem de manuais em número suficiente, sendo um para cada dois alunos, o que dificulta o trabalho tanto de professores como de alunos. Ao analisá-los constatei que continuam a ser patrocinados pela Fundação Calouste Gulbenkian, através dos projectos de apoio ao Ensino Básico.
Não faltam apenas manuais, faltam também janelas e cadeiras, faltam mesas para lhes facilitar a escrita, faltam obras mínimas que possam garantir a segurança de alunos e professores… enfim, falta quase tudo!
Não faltam, contudo, professores resilientes, dedicados e empenhados que, heroicamente, não abdicam da sua condição de educadores, apesar dos condicionalismos com que se debatem no exercício das suas funções. Pouco mais lhes resta, perante a negligência das instituições com responsabilidades, do que clamar por ajuda a quem possa e tenha condições para o fazer.

Noutra comunidade do Norte da Ilha, os pedidos, quase unânimes, reportavam-se a coisas simples, como sejam bolas e livros, tão pouco, afinal, para lhes proporcionar um pouco mais de felicidade.
Procurámos providenciar, com o envolvimento de outros parceiros, pela satisfação de algumas destas necessidades, pelo que um contentor já vai em alto mar no sentido de que, a curto prazo, vejamos sorrisos mais abertos, rasgados e felizes.
A título de curiosidade refiro que apenas dispunham de uma bola feita de pedrinhas, rede de pesca e plásticos.
Obviamente que jogar não consegui, mas pegando nela pude sentir que não é agradável no toque e perceber que não é adequada para a prática.

Perante panorama tão desolador, contrastante com a beleza ímpar da paisagem e a cativante ternura daquelas gentes, o coração teima em pisar aquele terreno africano, porque sente que ali há tanto “colo” para dar !

Graciela Pinheiro