Em 2019 comemoram-se os 10 anos do lançamento do Dia Mundial da Justiça Social, pela Organização das Nações Unidas. O propósito da ONU foi de consolidar os esforços da comunidade internacional no domínio da erradicação da pobreza, a promoção do pleno emprego e do trabalho digno, a igualdade de género, o acesso ao bem-estar social e à justiça para todos. A Organização Internacional do Trabalho OIT, em paralelo, promove a campanha do Trabalho Decente, que ressalta a importância de se garantir a todas as pessoas em idade de trabalho, condições seguras e dignas, sem abusos e exploração.
O lançamento da efeméride coincidiu com o período pós-crise de 2008, quando o mundo viu-se afectado pela maior crise económica e financeira desde a Grande Depressão de 1929. Esta crise, provocada por uma bolha imobiliária nos Estados Unidos, resultou em desconfiança dos mercados e uma tendência à redução dos investimentos, afectando, principalmente, a produção industrial da maioria dos países.
Em consequência, gerou-se um processo desestruturador do
mercado de trabalho, provocando mais desemprego e aumento da pobreza, principalmente nos países com economias estruturadas no mercado financeiro internacional. O mundo do trabalho viu-se marcado pelas leis de austeridade económica e a redução progressiva dos direitos e programas sociais em apoio às populaçõe
s mais carentes, retirando delas a garantia de seu direito à dignidade humana.
Portanto, o Dia da Justiça Social é uma data significativa no sentido de alertar os Estados sobre a tendência ao crescimento das desigualdades sociais. Relevante é o esforço por reduzir ao máximo o impacto negativo gerado pelas crises e modelos económicos neoliberais.
Porém, não tem sido muitos os avanços dos indicadores de Justiça Social alcançados desde 2009. Muitos países, inclusive Portugal, apresentou redução em seus indicadores de Justiça Social. Os países em desenvolvimento e aqueles com políticas económicas mais dependentes revelam dificuldades em manter estabilidade em suas ações de Justiça Social.
Contudo, outros fatores não económicos se apresentam neste quadro. O mundo atual vê-se envolto em novos desafios políticos e militares, com consequências sociais e humanitárias muito graves. Conflitos internos, guerras, perseguições políticas, ações de grupos terroristas e violência aos direitos humanos preenchem os noticiarios diariamente, relatando o problema dos refugiados. A ONU considera esta a pior crise humanitária do século, sendo este também o maior fluxo de refugiados desde a II Guerra Mundial. Em 2016, o grupo de pessoas que se deslocou de seus países fugindo de perseguições políticas e guerras chegou a 65,6 milhões.
Como atender aos principios de Justiça Social e solidariedade para estas populações que se refugiam em novos paises, culturalmente muito diferentes e nem sempre preparados para recebê-los?Quais seriam os principais desafios encontrados pelos paises receptores de refugiados para corresponder a este chamado de solidariedade e de Justiça social? Como lidar com os impactos sociais que demandam muito mais assistência de serviços públicos para impedir processos de privação de insumos básicos de subsistencia, a marginalização e a exploração do trabalho?
Conclui-se, pois que a Justiça Social não se alcança apenas com base no principio da distribuição de recursos produtivos e de renda. Será preciso ampliar sua concepção e forma de ação para uma visão multidimencional, conforme defende a filósofa americana, Nancy Fraser. Segundo ela “…a justiça social já não se cinge só a questões de distribuição, abrangendo agora também questões de representação, identidade e diferença.“[1] Ou seja, torna-se necessário incluir indicadores e processos de reconhecimento das diferenças culturais e o respeito a elas.
O novo desafio estaria em como sanar, de forma articulada, as demandas socioeconómicas e socioculturais de forma humanitária. As novas questões mundiais exigem que novas medidas, tanto de politicas sociais como econômicas, sejam repensadas. Novos dilemas sociaisdemandam superação:as questões de género, de idade, de raça, de etnia, de religião, de cultura ou mesmo de incapacidades.O aumento dos fluxos migratórios, resultados destes confrontos, requerem a atenção para as questões de identidades e de representação em um mundo multicultural.
Pode-se observar que as medidas que contemplam os grupos de raças e género podem ser consideradas tantoredistributivas como de reconhecimento. Mulheres e negros sofrem pela falta de reconhecimento social e acabam com menores salarios ou com pouco acesso a determinadas carreiras de trabalho. Uma revisão de como se determinam os valores e políticas de consolidação de justiça social de cada país pode reduzir significativamente tais injustiças sociais, utilizando medidas afirmativas, por exemplo.
Pode-se lidar com os conflitos sociaisintroduzindo formas interativas de diálogos entre todos os sujeitos e coletividades, através do principio de paridade da participação. Os problemas trazidos pelos grupos e movimentos sociais que demandam reconhecimento de suas particulariedades culturais, étnicas, raciais, genero, etc, devem ser solucionados por meio do reconhecimento de que as questões de desigualdade social apresentadas por eles são reais e merecem soluções justas.
Não seria possivel estabelecer os padrões de Justiça Social se as lutas para a construção da cidadania não incluíssem todos os grupos diferenciados em suas identidades. Devem ser reconhecidos com base no princípio da inclusão e integração social. Ao mesmo tempo, as políticas públicas devem ser capazes de identificar os padrões simbólicos de discriminação e de desrespeito a estes grupos.Da mesma forma, o reconhecimento supõe uma resposta às questões da paz mundial e de solidariedade às populações vitimadas.
A Europa é o exemplo deste novo quadro. Uma nova ordem social e internacional requer novos direitos e liberdades para que sejam completamente cumpridos. A Justiça Social torna-se parâmetro para a coexistência pacífica e próspera entre as nações.
Assim, a comemoração do Dia Mundial da Justiça Social deve ser feita por meio da reflexão sobre como intensificar e multidimensionar a luta pelo alcance de seus objetivos. Requer-se um esforço concertado e incansável, especialmente por parte dos países mais ricos e poderosos, no sentido de verem-se como responsáveis pelo equilíbrio da paz mundial; devem orientar-se, de forma coordenada, para que suas políticas sempre reflitam o desenvolvimento mundial de forma equitativa, integrada e sustentável; devem convencer-se de que pequenos e médios países, independente do que representam, também somam, sistémica e positivamente, ao processo do desenvolvimento económico sustentável do planeta.
Apenas o compromisso com a criação de uma cultura do diálogo pode gerar as soluções para garantir maior Justica Social no mundo.