Missão: Informática na prisão

A ida para Angola pareceu-me tudo menos real. Cheguei lá como se conduzida por algo sobrenatural pois ainda não conseguia acreditar que ia concretizar um sonho meu muito antigo. De repente, sem saber como, já estava a preparar os computadores para irem para o Kaquila, e a partir daí a realidade entrou a matar.

Comecei a semana com as aulas de informática na prisão. No primeiro dia, o Padre Nuno, eu e o Wilson (um seminarista quase de partida para o Quénia) fomos instalar os computadores na prisão e confirmar se os que lá estavam funcionavam corretamente. Tudo correu como planeado e no dia seguinte comecei as aulas.

O percurso da Missão Católica para a prisão era sempre acidentado, pois a estrada não tinha grandes condições mas mal reparava nisso tão absorvida que estava na minha missão. O primeiro dia de aulas decorreu normalmente. Na primeira parte da manhã tinha os reclusos e na segunda parte os guardas ou chefes, como eles se chamavam. Recordo em especial de uma guarda, Elisa, que no intervalo vinha sempre com o café cheio de espuma de que eu tanto gostava e que me dava forças para continuar.

Lembrei-me das muitas histórias que tinha ouvido contar de outros voluntários que estiveram em missão e que referiam que nada corria como planeado e que as pessoas eram muito gratas e humildes. Por vezes, quando mencionamos essa gratidão e humildade, partimos de um ponto de vista paternalista. Nós “os iluminados” vamos oferecer, pro bono, conhecimentos essenciais àquelas gentes, pois eles ainda se encontram num estádio de subdesenvolvimento, ainda mais reclusos, considerados criminosos pela lei, ainda deviam ser ainda mais humildes pela situação em que se encontram.

Pois não encontrei nada disso e tudo correu como planeado, embora com muitos imprevistos mas que nunca me desviaram do caminho traçado. Costumo dizer que a grande qualidade do ser humano não é ser inteligente mas ser adaptável e sobretudo não julgar os outros. Aceitar as coisas como se apresentam.

Os presos eram tudo menos subservientes, desafiavam-me constantemente, diziam que para além de Word e Excel tinha de lhes dar noções básicas de informática, explicar como funcionava o hardware e o software, apresentavam dúvidas muito pertinentes e contínuas, o que me obrigava a passar a aula a correr de um computador para o outro para prestar esclarecimentos. A exigência deles era tão grande que passava as tardes a preparar as aulas e a estudar. Quando chegava de manhã, muitas vezes já via escrito no quadro o resumo das minhas aulas anteriores ou algumas questões que ficaram por esclarecer e que eles queriam ver resolvidas. Era a maneira deles comunicarem comigo. Não podia ter sido melhor, eu estava completamente motivada e mergulhada na minha missão.

Com os seminaristas

Claro que tudo isto foi possível graças aos Missionários Passionistas de Calumbo que, para além de terem o meu trabalho todo planeado de antemão com o diretor da prisão, me proporcionaram um ambiente tão acolhedor, que me senti parte integrante e não me senti sozinha em momento algum.

Na última semana estive a lecionar Inglês e informática aos seminaristas. Pensar no que ensinar, perante as dificuldades que eles tinham na língua inglesa, pareceu-me um desafio ainda maior do que a prisão. Continuei diariamente a preparar as aulas na esperança de vir a ser útil para estes como tinha sido no Kaquila, ou mais ainda, porque estes faziam parte da família que tão bem me recebeu e acarinhou.

Posso afirmar (e não é algo que faça levianamente) que Deus esteve comigo durante todo esse tempo e que nunca esquecerei todas aquelas pessoas com quem vivi intensamente durante um mês da minha vida. Espero que o que lhes tenha transmitido venha a ser útil e que passem a palavra aos outros para que não fique nada pelo caminho.

Cá dentro ficará para sempre.

Bárbara Henriques