A SER MAIS VALIA E A INTERGERACIONALIDADE

Em julho de 2019 integrei uma equipa do Instituto Camões numa missão que tinha como objetivo uma intervenção da Cooperação Portuguesa no IMPIM – Instituto Médio Politécnico da Ilha de Moçambique. No âmbito da reforma do Ensino Técnico Profissional de Moçambique foi atribuído um novo estatuto ao IMPIM, que necessitou de consolidar o seu Projeto Educativo/Formativo através do desenvolvimento de nova oferta formativa e da criação de oferta formativa de curta duração.

Para a identificação da nova oferta formativa foi necessário ouvir os diferentes atores da comunidade (empresários, líderes religiosos, entidades escolares e intelectuais do movimento “Juntos pela Ilha”) para recolher sensibilidades, aferir do contexto e apurar as necessidades de mão de obra e aptidões profissionais indispensáveis ao desenvolvimento das atividades locais que geram rendimento e promovem a melhoria de condições de vida dos habitantes da Ilha e região envolvente.

 

A Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Lúrio foi uma das instituições que visitámos e onde cada um dos elementos da equipa efetuou uma breve apresentação da entidade que representava. Com surpresa, dois dias depois da reunião, recebi uma proposta para participar numa sessão na Universidade para falar aos estudantes sobre o modo de cooperação que a SMV desenvolve. Aceitei o desafio e preparei uma apresentação da SMV, na qual foi também referido o trabalho desenvolvido em Moçambique – Hospital Rural do Songo, Passaporte para a leitura no Chibuto, Escolinhas Comunitárias do Niassa, FAMBA (apoio a casas de acolhimento de crianças jovens) e campanhas.

No fim fui vivamente questionada por muitos dos estudantes presentes. Colocaram questões relativas à organização SMV e aos voluntários que nela participam e através dela desenvolvem trabalho. Queriam conhecer as motivações que mobilizam pessoas com mais de 55 anos a prosseguirem o caminho do voluntariado, com que recursos desenvolve a SMV a sua ação, que trabalho é desenvolvido nas diversas áreas de atuação e inclusivamente como reage a nossa família. Nas respostas que fui dando não esqueci de referir que os voluntários da SMV colocam os seus saberes e experiências ao serviço da comunidade, sempre numa perspetiva de acrescentar valor sem substituir a ação e responsabilidade das instituições públicas, privadas e cooperativas, com respeito pelos DH e que não ocupam postos de trabalho remunerados. A finalizar questionaram a forma como poderiam obter o nosso apoio no desenvolvimento de projeto de âmbito académico e cultural, interesse corroborado pelos responsáveis da Faculdade.

 

Esta manifestação de interesse, de gerações mais novas, constituiu uma primeira experiência que me fez pensar que o tema “INTERGERACIONALIDADE” exige um debate no seio da nossa Associação. Normalmente é referido que os voluntários da SMV colocam os seus saberes e experiências ao serviço da comunidade e poucas vezes aludimos ao enriquecimento que obtemos com esta partilha. Esta permuta merece uma reflexão sobre os valores que devem presidir na apresentação do projeto da SMV. No desenvolvimento do trabalho voluntário decorre um processo de trocas mútuas que têm a ver com a forma como se adequam os conteúdos às necessidades e características locais, seu impacto direto e reações decorrentes. Fortemente dinâmico, este processo vai-se desenrolando e deixando rasto em quem recebe e em quem transmite. Diferentes contextos, diferentes culturas, diferentes formas de viver (e de sobreviver) não podem deixar de ter impacto em quem participa no processo, configurando aprendizagens sobre como fazer melhor, como obter resultados nos diferentes ambientes que nos acolhem. Fortemente enriquecedor, o trabalho voluntário transforma-se assim num processo de aprendizagem permanente na humanização e nas “lições de vida” aprendidas junto de realidades bem diferentes das que resultam do nosso habitual quotidiano. Numa perspetiva filosófica pós-moderna podemos mesmo dizer que se entra numa nova conceção de universalidade, que rompe com as certezas a que nos fomos habituando.

 

O ser humano é o único ser caraterizado por criar cultura e a transmitir de geração em geração, contribuindo para o desenvolvimento e aperfeiçoamento das sociedades. Os voluntários que integram a Associação SMV adotam uma atitude proativa no seu próprio processo de envelhecimento, partilhando o seu tributo de geração mais velha com as novas gerações e promovendo um ambiente mais amigável, mas usufruindo da atualização, aquisição e enriquecimento das suas aptidões e saberes.

 

Já em outra experiência de voluntariado me foi dado sentir e observar que o que é valorizado localmente pode ser bem diferente do que supúnhamos à partida, que a simplicidade de algumas soluções difere dos procedimentos que imaginávamos, que a aprendizagem requer empatia, mas também clara compreensão do que é necessário.

Os saberes e a tecnicidade têm de existir e ser disponibilizados, mas o seu veículo tem que ser adequado a quem aprende. E nisto, todos aprendemos!

Ana do Carmo Lopes
Vice-presidente da SMV