4 perguntas a Hermínia Cabral

 

1 – A Maria Hermínia está na origem do projeto Mais-valia, com a chancela da Gulbenkian. A atual associação SER MAIS VALIA deve-lhe grande parte da parentalidade. Em 2012 ao imaginar e criar o projeto Mais-valia, este tinha o foco em ÁFRICA, isso deveu-se ao seu trabalho como Diretora do Programa Gulbenkian Parcerias para o Desenvolvimento (PGPD)?

O projeto Mais valia nasceu em circunstâncias muito específicas. Foi uma iniciativa que tentou juntar à cooperação para o desenvolvimento, o voluntariado e o envelhecimento ativo. Atravessávamos um período em Portugal, em que um conjunto de pessoas que estavam no auge das suas capacidades, com competências técnicas e específicas, tinha, por via da reforma, disponibilidade para se colocar ao dispor do desenvolvimento de contextos com maiores necessidades, como são os PALOP – Países africanos de língua oficial portuguesa. Foi uma feliz coincidência que deu os seus frutos. Como muitas vezes referimos foi um primeiro spin off do PGPD. A parentalidade do Mais-valia tem de ser partilhada com a Elisa Santos. Foi uma ideia que tivemos em conjunto no trânsito caótico de Luanda, num dia que nenhuma de nós esquecerá tão cedo.

 

2 – Nasceu em Angola. Pelas suas raízes, África é para si uma referência que a conduziu no âmbito profissional? De que maneira?

Mais do que ter nascido em Angola, vivi, trabalhei neste país e sobretudo tento manter-me atualizada não só sobre os Países com que mais trabalhamos – os PALOP – mas também sobre a África subsaariana. Interesso-me sobre as questões do desenvolvimento, que sempre pautaram a minha vida profissional. Trabalhei em desenvolvimento regional, uma disciplina que vem do desenvolvimento internacional, acreditando sempre que o território é determinante nos processos de desenvolvimento. São as suas características endógenas e exógenas que determinam que um território se desenvolva de forma diferente de outro. Por isso, evito muitas vezes a palavra replicar… ver o que acontece aqui, para depois se replicar ali. África é uma referência atual em como o território, a sua história, cultura e governação são fatores determinantes dos diferentes modelos e ritmos de desenvolvimento dos seus países. Mas cada vez mais importa criarmos oportunidades para as pessoas desenvolverem as suas capacidades e a sua criatividade. África é um continente muito jovem, com enorme resiliência, características essenciais, mas não suficientes, para se conseguir enfrentar as vulnerabilidades e as incertezas dos momentos que parecem estar a chegar.

 

3 – Celebrámos, a 5 de Maio, o primeiro Dia da Língua Portuguesa; a 25 de Maio celebra-se o Dia de África. Na sua opinião estes dias são de alguma forma, para nós, complementares?

Não creio que sejam complementares. São duas celebrações distintas. Há um conjunto de países em África cuja língua oficial é o português, mas há muitas outras línguas nacionais com as quais os cidadãos desses países se exprimem. O Dia da Língua Portuguesa une uma comunidade em todo o mundo. A língua é um instrumento de valorização das pessoas, de comunicação, de criação de oportunidades e de laços e de aproximação e integração social. Contudo, não falar a mesma língua não deve ser um fator de exclusão e de afastamento. Há motivos para comemorar as duas datas, pois em ambas estamos a celebrar a Humanidade.

 

4 – A Ser Mais Valia mantém o foco em África – mesmo em projetos realizados cá, com pessoas oriundas dos PALOP. Continua a pensar que esse apoio e cooperação são necessários. E em que áreas?

O trabalho da Ser Mais valia é muito importante. Não há em Portugal exemplos de voluntariado “mais experiente” na área do desenvolvimento internacional. Em contextos onde as valências são mais escassas e não há muita oferta de um conjunto de competências, como nos PALOP, o valor do trabalho voluntário da Ser Mais Valia é muito grande. O voluntário é uma mais-valia para as organizações e pode fazer muita diferença, sempre no respeito da complementaridade com os outros e nunca substituindo postos de trabalho. A partilha de experiências que as atividades da Ser Mais Valia permitem é muito importante nos processos de desenvolvimento, pois como referi não se trata de replicar o que outros fizerem, mas escutar, perguntar o que resultou e, sobretudo, o que não resultou, para depois se refletir sobre o que pode fazer sentido, inspirarmo-nos em determinado contexto. Hoje tem-se menos tempo para se decidir, e não basta ir à internet e ver o que já se fez… há que partilhar e envolver…

A saúde e a educação são as áreas pilares do desenvolvimento e onde há um longo caminho a percorrer, dependendo, claro, dos países e do seu processo de desenvolvimento.

O mentoring, que a Ser Mais Valia desenvolve em Portugal, é uma iniciativa de louvar, pois permite um melhor acolhimento e consequentemente uma melhor integração dos alunos em Portugal, vindos de contextos tão diversos do de Portugal. Quem não fica contente quando conta à partida com um amigo num país estrangeiro para onde vai viver durante um período?

Recolha por Isabel Amorim

 

Maria Hermínia Cabral, nasceu em Luanda, em 1963. É licenciada em Economia, pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, mestre em Cooperação e Desenvolvimento Internacional, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade Técnica de Lisboa.

O Norte é a sua marca identitária; estudou no Porto e é ali que estão as suas fortes raízes familiares.

A sua vida profissional teve início em 1985, na Comissão de Coordenação da Região Norte. Mais tarde foi docente na Universidade do Minho e na Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

Entre 1998 exerceu vários cargos nas áreas da Cooperação, Desenvolvimento e Saúde.

Em 1997 recebeu o Prémio do Instituto da Cooperação Portuguesa para o «Melhor Aluno de Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional».

É, desde 2012, Directora do Programa Gulbenkian Parcerias para o Desenvolvimento.

A par da sua intensa actividade profissional, ou como complemento da mesma, é uma mulher muito atenta ao Mundo; informada, consome muita literatura técnica, nacional e internacional e é uma curiosa viajante pelos lugares da cultura clássica.

No seu empenhamento profissional, o seu trabalho tem sido muito importante na diversificação do apoio à cooperação e desenvolvimento investindo muito no tecido artístico e cultural.

E é no encontro das suas experiências e curiosidade que ela está na génese do projecto Mais Valia da Gulbenkian, que veio dar origem à associação Ser Mais Valia, e esta deve-lhe, em grande parte, a sua existência.