4 PERGUNTAS A…RONALDO
- Ronaldo, chegou agora ao final do seu mestrado em Linguística com a magnífica classificação de 19 valores. Terminada esta etapa, segue-se o regresso a casa e ao seu país O que o move nesse regresso e quais as expectativas que transporta em si?
Várias razões estão por trás do meu regresso à Guiné-Bissau, que espero ser em breve. Primeiro porque é onde vive a maior parte da minha família; as saudades das vivências de lá e o desejo de ir conviver e (re)conhecer as (nossas) realidades socioculturais são outras. Depois, tirando esta parte afetiva, do ponto de vista profissional, o meu regresso a casa é motivado sobretudo pela ideia da utilidade – a utilidade no ensino, porque quero ser professor, na investigação e, consequentemente, na construção de uma sociedade mais informada e participativa.
Com o mestrado feito, posso de alguma forma contribuir no processo de ensino e de estudo das dezenas de línguas guineenses, em particular do Kriol (crioulo da Guiné-Bissau), a nossa língua franca (claro que posso fazer isso a partir daqui, mas o impacto seria muito diferente). Na Guiné-Bissau, vou poder conviver diretamente com os falantes, nos bairros, na escola, e não só, e isso vai ajudar-me a esclarecer algumas dúvidas ou a colocar mais questões na investigação que comecei há relativamente um ano, nas áreas de fonologia, variação, sociolinguística e, de maneira geral, na Linguística.
Penso nisso desde que comecei o mestrado: sempre que me perguntavam se iria voltar quando terminasse, respondia que sim, que era na Guiné-Bissau que me via a ser mais útil…
- A sua integração em Portugal e na Universidade do Porto não foi nada fácil. Quais foram os maiores obstáculos? – que conseguiu superar de forma brilhante.
Estou cá há cinco anos. No início, no primeiro ano da licenciatura, os obstáculos tinham a ver com burocracias ligadas, por exemplo, ao SEF e o processo de adaptação na faculdade, devido às dificuldades que, em geral, quem vem do ensino secundário guineense traz. Estas foram reduzindo pouco a pouco.
Mas creio que as maiores dificuldades que tive foram durante o mestrado. Durante a licenciatura tinha uma bolsa de estudos, que cobria todas as minhas despesas; já no mestrado não. Como muitos outros estudantes africanos, tive de conciliar os estudos e o trabalho – um mês na obra como ajudante de pedreiro, vários meses na limpeza, na restauração, nos centros de estudo a dar explicações, etc.; isto sem falar de outros obstáculos que tinham, e ainda têm, a ver com o racismo, discriminação e preconceitos.
- A Ser Mais Valia e o projeto Mentoring apoiaram-no durante a sua permanência. Qual a importância desse apoio para si e para o seu percurso?
Enorme. Conheci a Ser Mais Valia logo na licenciatura, acho que no meu primeiro ano. Lembro-me que, na altura, o professor António Pereira enviava-me muitos materiais linguísticos, fichas de exercícios e de (auto)correções. Foi assim, a par do que ia aprendendo nas aulas, que fui superando a aparente barreira que a língua me impunha.
Outros apoios que talvez não pareçam tão evidentes são os vários encontros nacionais e regionais temáticos que a Ser Mais Valia tem promovido. Foi nesses espaços de encontro que foi sendo possível partilhar e ouvir experiências pessoais dos participantes; da adaptação nas diversas universidades e cidades portuguesas. Foi a partir desses espaços que, também, conheci pessoas como a Maria Helena Coelho, a Ana Lopes, a Clara Oliveira e o Daniel, o Ângelo Soares…, pessoas que me são mais próximas na SMV. A título de exemplo, a Maria Helena e a Ana telefonam-me várias vezes por mês a perguntar como é que estou, se está a correr tudo bem, se há alguma coisa em que podem ajudar. Já me ofereceram muitos livros, almoços e jantares, entre tantas outras coisas.
Em síntese, sem querer menosprezar a ajuda do professor António, o apoio que a Ser Mais Valia me tem prestado é um apoio mais afetivo, que nem sempre é compreendido e reconhecido; mas que faz uma grande diferença, particularmente para uma pessoa imigrante como eu. A meu ver, não há nada mais confortável do que saber que está aí alguém por nós, que se preocupa connosco e que quer ver-nos bem.
- Agora que já se movimenta com facilidade pela universidade e pela cidade do Porto e superou todas as limitações e dificuldades que viveu, o que aconselharia a outros estudantes vindos de outros países e que palavras de incentivo lhes daria?
Considerando que os nossos pontos de partida, enquanto estudantes internacionais (penso em estudantes africanos e dos chamados PALOP, em particular) são mais ou menos os mesmos – muitos deles devidos ao falhanço dos nossos modelos de ensino… os conselhos que talvez daria são os seguintes:
Do ponto de vista económico, se não forem estudantes bolseiros principalmente, informem-se do custo de vida (arrendamento, alimentação, transporte…) do Porto, uma das cidades mais caras do país, ou de cidades para onde vão estudar.
Depois, no que diz respeito aos estudos, certifiquem-se de que os cursos escolhidos são cursos que querem mesmo fazer e de que gostam, e não se deixem levar por um aparente sucesso escolar ou profissional de outrem. Estando na faculdade, procurem fazer amigos e participar em atividades extracurriculares, não se limitando apenas no convívio com colegas do mesmo país. Participem em programas de mentoria, em associações/organizações de estudantes, em órgãos de representatividade estudantil das vossas faculdades e universidades, porque é onde acontecem coisas que, direta ou indiretamente, afetam os vossos percursos, as vossas vidas.
Procurem, igualmente, conhecer e criar e/ou preservar laços de amizade com os vossos conterrâneos, quer através do associativismo quer individualmente, como forma de incentivar o espírito de partilha e de convivência comunitária, e façam voluntariado. Além disso, o Porto tem muitas coisas interessantes: há cinemas e teatros municipais com custos relativamente acessíveis; há lindos jardins, parques e museus e tantos outros espaços recreativos e de lazer. Em suma, façam alguma coisa de que gostem.
Ronaldo, um jovem guineense e estudante brilhante na Universidade do Porto onde terminou o seu mestrado com a classificação de 19 valores.
Está pronto a regressar ao seu país com a vontade de participar, de aplicar o que aprendeu e participar ativamente na mudança.
Diz que o seu regresso é motivado pela «ideia de utilidade» – ao seu país, ao ensino, à mudança.
Um bom regresso a casa.
Recolha de Isabel Amorim
Voluntária Ser Mais Valia