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A Cátia é uma jovem escritora portuguesa, uma jovem mulher do nosso tempo. O que a levou até à escrita? Como cresceu essa vontade e qual o momento em que sentiu ser o certo para pôr a escrita “cá fora”?
Desde que me lembro, sempre quis escrever. Em criança, adorava ler. Lia e relia os meus livros. Adorava histórias e recordo-me de criar narrativas na minha cabeça, desde muito cedo. À medida que fui crescendo, nunca me afastei da literatura. Quando os meus pais me inscreveram no Ensino Secundário, escolheram um colégio religioso contra a minha vontade. Mas concordámos que, caso não oferecessem a disciplina de Literatura Portuguesa no curso de Línguas e Humanidades, eu poderia escolher uma escola que oferecesse. Três dias antes de começar o ano lectivo, vou ao tal colégio buscar os manuais escolares e informam-me que, afinal, não iriam abrir a disciplina de literatura. Abriu-se a porta para a minha liberdade e, lá fui eu, em busca de uma escola que me oferecesse essa possibilidade, que acabei por encontrar. A partir daí, fiz os meus estudos universitários todos nessa área – desde a licenciatura ao doutoramento. No entanto, eu reconhecia que, apesar do meu amor à palavra, havia uma maturação que teria de acontecer para que eu pudesse escrever o romance que tinha em mente. Quando essa espécie de transformação aconteceu, eu simplesmente soube que estava preparada para essa viagem e foi, nesse momento, que comecei a escrever o romance Lola.
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Acredito que todos, ou muitos, amantes do Livro têm uma ideia, uma fantasia, do que é um escritor. Sente que tem uma rotina para a escrita e qual o processo? Tem um local ou tempo próprio, uma ideia ou um acontecimento?
Sim, eu acredito genuinamente que a disciplina é fundamental no processo de escrita. Em A Room of One’s Own, Virginia Woolf aborda a ideia de que o espaço físico e mental é muito importante na escrita e estou de acordo. Por isso, eu respeito de forma sagrada o meu tempo de escrita e o meu espaço. Também eu tinha uma ideia romantizada do escritor. Imaginava-me a escrever pela noite adentro. No entanto, surpreendi-me a mim mesma, quando compreendi que era mais produtiva de manhã. Então, acordo sempre cedo para escrever. Começo por desligar o meu telemóvel para não ser interrompida e opto por escrever em casa. Tenho uma secretária no quarto em frente a uma janela. Gosto de ver o mundo acontecer, quando estou a escrever. São pequenos rituais, que me fazem entrar no universo da narrativa e desconectar-me da minha vida, da pessoa que sou. Fica apenas a escritora.
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Para além da escrita, é muito activa nas redes sociais onde mostra os seus gostos literários, as suas livrarias de eleição e os seus locais especiais de leitura. As redes sociais são indispensáveis para um escritor se dar a conhecer ou interagir com os seus leitores?
Sem dúvida! Tenho fé em mim e na minha escrita para acreditar que seria publicada mais tarde ou mais cedo. Mas a minha presença nas redes sociais antecipou esse meu sonho. A realidade é que estamos em 2021 e vivemos numa era digital. É possível ser escritor sem uma presença nas redes sociais, claro. E sou a primeira a dizer que, se um autor não se revê na exposição digital, então não o deve fazer. Temos de ser fieis a quem somos. Até porque o interesse dos nossos seguidores advém, em grande parte, da nossa autenticidade. Mas, se são fãs das redes sociais, então aconselho sempre a que tirem proveito. Dêem-se a conhecer, exponham o vosso trabalho. É uma montra gratuita. Criem ligações e empatia. Basta pensar: se o vosso autor favorito tivesse uma rede social na qual pudessem interagir com ele, não gostariam? Então, por que não se aventuram nisso?
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Participou de forma brilhante no encontro da SMV, EscritAFRICANDO, onde foi aplaudida pelos jovens candidatos a escritores de origem africana. Qual seria o melhor conselho ou incentivo para estes jovens cheios de sonhos e de vontade de escrever?
Tenho dois conselhos: acreditem no vosso potencial e escrevam muito. Quanto ao primeiro, a realidade é que o mundo literário não é fácil. É difícil ser publicado. Por isso, é possível que se escute alguns “não”. No risco de soar um pouco a livro de auto-ajuda, digo que é preciso não desmoralizar, é preciso acreditar. Todos nós vacilamos, todos nós duvidamos da nossa qualidade. Mas, com mais ou menos receio, com mais ou menos confiança, todos nós, que estamos publicados, seguimos em frente. Essa foi a única forma de chegar aqui, a ter os nossos livros nas estantes das livrarias. Relativamente ao segundo conselho, é importante saber que a prática aperfeiçoa a nossa arte. Por isso, temos de escrever, escrever, escrever.
*Cátia Vieira é, sem dúvida, uma jovem escritora do século XXI – ativa nas redes sociais e uma leitora infatigável e culta.
Desde cedo amante dos livros é um excelente exemplo para todos os jovens iniciados nas lides da escrita.
E, tal como ela diz: «a prática aperfeiçoa a nossa arte…temos de escrever, escrever, escrever». E ler.
A Cátia é um caso no nosso panorama literário a seguir com toda a atenção. E é um prazer lê-la.
Recolha de Isabel Amorim
Voluntária da SMV