- Delmar é poeta, escritor publicado desde 1987, ligado a várias artes. Como nasceu esse gosto e esses interesses, sobretudo pela literatura? Quer contar-nos um pouco de si?
É verdade que estou ligado às várias artes desde sempre e não desde 1987. Nesse ano iniciei as publicações em livros.
Esse interesse pela literatura nasceu indiscutivelmente em Moçambique (Quelimane), meu berço natal.
Meu pai (meu ídolo maior) adormecia a ler a Revista “Tempo” ou o Jornal “Notícias” e eu ficava a olhar especado para ele e para os livros. Depois, roubava-lhe os livros da Colecção FBI, os jornais e as revistas já lidos que tinha no seu quarto e levava-os para o nosso quarto (meu e dos meus dois irmãos, um deles pintor, desenhador e projectista de cinema), mesmo antes de saber ler em condições. Depois, comecei a frequentar a Biblioteca Municipal de Quelimane onde lia sobretudo Banda Desenhada (Tintin, Astérix, Corto Maltese, Ali Baba, Pinóquio, Patinhas, Pateta, etc.) e jornais e revistas. Foi então que descobri Eça de Queirós e tudo mudou. Passei a dar maior importância à escrita e a querer ser mais conhecedor da Língua Portuguesa. Queria dominá-la. Odiava erros ortográficos! Quando chego a Portugal (Lisboa, São Pedro do Estoril e Parede), já tenho motivação para cultivar a escrita. Uma professora de Português, Latim e Francês (Gabriela Moreira) ampliou-me esse interesse depois de ler um poema meu e incentivar-me com elogios. Era uma excelente professora. Fez-me alguma revisão de textos, incentivou-me a participar em concursos literários e nas suas três disciplinas obtive muito boas notas.
De seguida surgiram vitórias sucessivas nos Jogos Florais da Escola Secundária da Parede (ex-Liceu da Madorna), no Prémio Nacional de Literatura Juvenil Ferreira de Castro e também no Prémio da Associação de Estudantes. Acabo por me envolver na Associação de Estudantes como Vice-Presidente mais direcionado para a cultura. Surgem as publicações em face dos prémios e tudo isso me motivou ainda mais para a escrita.
Ao longo deste processo, travei amizade com as escritoras Matilde Rosa Araújo, Noémia de Sousa (moçambicana), Maria Alberta Menéres e o escritor Fernando Grade. Essa ligação aos amigos “mais velhos” da literatura fez-me mergulhar na área literária, liguei-me aos amigos com interesses comuns e em 2006 venci o Galardão de Literatura África Today e já em 2008 venci o Prémio Kanimambo e iniciei os Encontros de Escritores Moçambicanos na Diáspora (EEMD), até hoje, onde se debate, produz e respira literatura. Finalmente, em 2010 fundei o Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD), um projecto independente, apartidário, altruísta, sem fins lucrativos, muito ambicioso e que é avesso às limitações de âmbito político raramente benéficas para a cultura e regra geral castradoras da criatividade.
- Enquanto Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD), tem divulgado a literatura de Moçambique, país com escritores maiores conhecidos mundialmente, e quanto a novos escritores? Há jovens escritores a emergir?
Há sem dúvida muito talento jovem em Moçambique. Há escritores jovens a emergir, mas infelizmente não com a pujança e o destaque externo que mereciam. Destacaria alguns nomes: Álvaro Taruma, Japone Arijuane, Pedro Pereira Lopes, Hirondina Joshua, entre outros. Mas há também “veteranos” que mereciam outro destaque internacional, quer na divulgação quer na edição no exterior, a saber: Marcelo Panguana, Adelino Timóteo, Juvenal Bucuane, Armando Artur, Carlos Paradona Rufino Roque, Aurélio Furdela, Luís Cezerilo, Lília Momplé, Guitá Júnior, Sangari Okapi, Sónia Sultuane, Filimone Meigos, entre outros.
- Neste estranho período que estamos a viver – confinados, isolados e infelizes – a Literatura também sofre?
A literatura também sofre claramente e não é pouco. O livro alimenta-nos sempre a alma, mas em situações de crise grave como esta que vivemos actualmente perde sempre a prioridade!
E tanto a edição de livros se ressentiu como a subtração de eventos culturais que ampliavam o número de leitores e divulgavam os escritores criando empatia e trazendo conhecimento: ficou reduzida ao digital (sempre impessoal), às tertúlias online sem o calor humano que os livros sempre nos proporcionaram. Todos nós sabemos que o contacto com os escritores é muito mais efectivo ao vivo.
- O seu encontro com a Associação Ser Mais Valia é muito recente e espero que seja o início de uma bela colaboração… Podemos contar consigo como Amigo e seguidor atento?
O meu encontro com a “Ser Mais Valia” é na verdade um reencontro. Faz alguns anos que tive uma reunião/encontro junto da Nova Acrópole em Lisboa com um dos seus dirigentes que me pediu na altura alguns contactos para um projecto em África. Ficamos de voltar a conversar. Entretanto, passaram-se alguns anos, ele voltou a ligar-me para se inteirar da minha disponibilidade em colaborar. Obviamente estarei sempre disponível e poderão contar comigo como amigo, entusiasta, seguidor atento e até quem sabe útil colaborador. Desejo-vos os maiores sucessos.
*Delmar Maia Gonçalves nasceu em Quelimane/Moçambique a 5 de Julho de 1969.
Publicou os livros: Moçambique Novo o Enigma (2005); Moçambiquizando (2006); Afrozambeziando Ninfas e Deusas (2006); Mestiço de Corpo Inteiro (2006); Entre dois rios com margens (2013); Mares de olhares em mestiçagens de poesia (2014); Pa(Z)lestina (2015); Fuzilaram a Utopia (2016); Cosmografias do Verbo Literário (2016); Sempre Tive Pressa do Porvir (2017); Edmar e a Montra da Loja Franca (2020) e Antologia dos Silêncios que cantamos (2014).
Venceu: Prémio de Jogos Florais da Escola Secundária da Parede (1986); Prémio Nacional de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em Poesia (1987); Galardão África Today em Literatura (2006); Galardão Kanimambo (2008); Prémio Lusofonia (2017); Galardão de Literatura MozaPaz (2019) e Prémio Mundial César Vallejo à excelência cultural da Unión Hispanomundial de Escritores (2020).
Foi também nomeado Ambassador For Peace da IIFWP/UPF em 2003; Professor Honorário de Filosofia e Literatura da Cypress International Bible Institute University do Malawi/EUA em 2019; Académico da International Mariinskaya Academy N. A. M. D. Shapovalenko da Rússia em 2020.
É amigo da S.M.V.
Recolha de Isabel Amorim
Voluntaria da SMV