6º Aniversário da Agenda 2030 (25 de setembro)

Mas teremos razões para celebrar?

 

Comecei a escrever e a pensar neste texto no dia 11 de setembro. 20 anos depois, lembro-me do dia em que não estudei para um exame da época de recurso, que tinha no dia seguinte enquanto estudante de Economia, porque tudo o que me chegava pela televisão me surpreendia e me fazia questionar sobre algumas teorias que deveria estar a estudar.

Este ano, nesse mesmo dia, terminava uma semana em que estive na Bélgica, entre Bruxelas e Gante, numa Summer School com estudantes do ensino superior sobre Sustainable Management. Que local propício para sentimentos opostos, entre descobrir que os alunos se separavam por língua, criando autênticos guetos linguísticos; conhecer uma start-up que produz rebentos de vegetais em laboratório de forma sustentável, nas caves de Molenbeek, um bairro que alguém denominou “celeiro de terroristas”; ou ajudar alunos com um quadro teórico da área dos negócios a refletirem criticamente porque é que apesar de muitas etiquetas – fair and bio – os produtores de banana pelo mundo continuam a não ter assegurado a sua subsistência mínima e digna.

E nesse mesmo espaço e tempo, uma das capitais do mundo desenvolvido, Bruxelas tem uma baixa taxa de vacinação e, ao mesmo tempo, é um dos espaços onde mais se debate e decide volumes de ajuda humanitária e ao desenvolvimento, que em muitos casos se focam na área da saúde e em concreto na vacinação.

Há 20 anos o desenvolvimento sustentável era apenas um dos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, o sétimo, e esses eram ainda orientados para os países “pobres”.

Hoje, no 6º aniversário da agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os objetivos são para todas as pessoas e lugares e procuram abranger o planeta, mas também as pessoas, a prosperidade económica, a paz e as parcerias.

Mas teremos razões para comemorar?

Diria que me sinto dividido, entre paradoxos e esperanças, entre a constatação da minha recorrente apatia e incapacidade de me indignar, e a minha fé de que nos podemos ir comprometendo e ativando em teias de pessoas, compromisso e mudança.

É bom reconhecer que, apesar de uma pandemia nos entrar pela vida adentro, proliferam visões egoístas, nacionais e muito pouco comprometidas com objetivos globais. Os ODS generalizaram-se no discurso, o desenvolvimento sustentável é a senha para entrarmos no clube dos que falam bem. Mas os objetivos só se cumprem de facto quando a realidade se transforma e não apenas quando falamos sobre ela.

Por outro lado, importa constatar que hoje os ODS são um ponto de contacto entre setores diferentes. Enquanto ONG já não preciso de falar com uma empresa apenas sobre donativos e mecenato; as pessoas já não podem ser apenas doadoras, mas podem ser cidadãs comprometidas com o consumo responsável, críticas sobre a informação que recebem e comprometidas com processos de participação e democracia. Pessoas de diferentes geografias, setores, áreas do saber, entre outros, podem sentar-se à mesma mesa e ter uma agenda em que todas se reconhecem.

Os ODS trouxeram-nos ainda uma forma multicolor de medir o desenvolvimento, que se espera sustentável, e ao nível dos países estamos progressivamente a passar de uma análise que media apenas o desenvolvimento humano, a partir de três dimensões – o PIB pc, a esperança média de vida à nascença e a escolaridade média – para um sistema complexo de medição assente nos 17 ODS e em centenas de metas e indicadores.

Neste sexto aniversário o contexto é muito pouco festivo e as conquistas parecem não nos dar uma luz ao fundo do túnel. No entanto, se olharmos para o lado conseguiremos ver que não estamos sós, já foi percorrido parte do caminho, mas perante os enormes desafios precisamos de envolver e ativar mais e mais pessoas para estes objetivos e estas metas. Para que esta agenda seja uma realidade e não apenas uma bela narrativa sobre um futuro e um mundo que nos pareça pouco mais do que uma miragem.

 

Pergunto-me hoje, no dia 25, qual o meu papel? Mais do que sei sobre esta agenda o que posso contribuir para ela como ativista, técnico, consumidor ou cidadão?

Tenho perdido a capacidade de me indignar com a apatia ou, pelo contrário, me comprometi hoje com algo muito concreto?

Paulo Costa

Coordenador Geral da ONGD Rosto Solidário