Pedro Matos, português, formado em Engenharia do Território, tem 45 anos e é profissional da ação humanitária. Há 10 anos que trabalha com o Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas, num percurso de emergências que ocupam os noticiários que vemos diariamente. Primeiro Darfur, durante 4 anos, depois Quénia, Uganda e finalmente o Bangladesh com a crise do Rohingya. Nos próximos 6 meses estará em Moçambique, na preparação da resposta emergencial às secas e cheias que habitualmente assolam uma parte do país.
Numa conversa em vésperas de partida quisemos saber mais sobre as relações entre o desenvolvimento e a emergência, as estratégias da ação humanitária e a crise dos refugiados.
“A diferença entre emergência e desenvolvimento é, desde logo, o estado de vulnerabilidade das populações”, afirma. As populações têm os seus modos de vida e recursos de subsistência, contudo, como nos explicou, há fatores externos que podem alterar esse equilíbrio e deixar as comunidades em estados de vulnerabilidade que precisam de resposta imediata. Na Somália acabou a “almofada” das famílias que permitia fazer face a choques – os terrenos agrícolas e o gado – após várias secas consecutivas, o que é terreno fértil para o recrutamento para o terrorismo e da pirataria. “Este é, também, o caso da Síria. Os défices agrícolas exacerbaram problemas crónicos de segurança alimentar que escalaram para a guerra.“
A ajuda humanitária deve ser transitória, ou seja, deve ter um plano de saída que viabilize a recuperação das populações e dê lugar a intervenções de desenvolvimento. A tecnologia, como Pedro Matos refere noutra entrevista,
é uma ferramenta importante no acompanhamento da resposta humanitária que possibilita a sua monitorização e a prevenção de desvios. Os planos de intervenção no terreno são desenhados caso a caso, assentando uma metodologia que se desenvolve em 3 fases: emergência, normalmente com assistência directa de alimentos; actividades de transição para a auto-sustentabilidade das famílias, como a construção de projectos nas aldeias a troco de comida ou dinheiro; e o início da fase de desenvolvimento com apoio a agricultores, prevenção de malnutrição e refeições escolares.
O sucesso desta estratégia, ou mesmo a viabilização da sua aplicação, não depende exclusivamente dos profissionais do terreno, ou da organização, sendo o contexto político do país de acolhimento um fator relevante na equação. “O Uganda, por exemplo, reconhece aos refugiados os mesmo direitos que os seus cidadãos e por isso podem procurar emprego, circular livremente, iniciar negócios. Desta forma a passagem para o desenvolvimento é realizada mais rapidamente e de uma forma mais pacífica e com contributos para a economia local.” Os estados que não dão esta possibilidade acabam por limitar e por prolongar a ação da emergência “É o caso dos refugiados Somalis no Quénia onde estamos em situação de emergência há 27 anos e onde 500.000 refugiados vivem uma situação de limbo, onde nem podem regressar ao seu país por causa da guerra nem normalizar a sua vida no país que os acolhe.”
O PAM faz distribuição de alimentos, mas também de dinheiro, sendo já o caso de 30% das suas intervenções. Desta forma pretende-se aumentar a eficiência da intervenção ao dinamizar as economias locais, dar às famílias a autonomia da sua gestão e diminuir tensões, diminuir custos e os impactos que o transporte e a distribuição de alimentos trazidos de uma parte do mundo para outra acarretam. No Ruanda, por exemplo, esta prática tem o resultado multiplicador em que cada 1USD de ajuda entregue em dinheiro resulta em 2,50USD adicionais na economia nacional.No caso de Moçambique, como nos explicou, quando as infraestruturas de uma zona do país afectadas por cheias ou secas permitem que os mercados funcionem e que aí cheguem os alimentos necessários a suprimir necessidades, a
distribuição de dinheiro poderá ser mais útil. Este tipo de intervenção é, em si mesma, uma forma de antecipar o desenvolvimento.
Ainda sobre o binómio desenvolvimento emergência, Pedro Matos afirma: “O papel do desenvolvimento é elevar o nível económico das pessoas de forma a que elas resistam a choques quando eles chegam (e eles chegam regularmente). Há evidência que demonstra que evitar emergências em vez de responder a elas sai muito mais barato. Mas os doadores, como as pessoas comuns, são mais sensíveis à urgência das emergências repentinas do que ao desenvolvimento, que demora mais tempo a dar frutos. Sensibilizar tanto as pessoas como nós como os doadores internacionais para fundos de desenvolvimento é muitas vezes mais difícil do que para respostas humanitárias a crises de emergência.”
Pedro Matos falou-nos ainda da Crise dos Refugiados e do Papel do Voluntariado em intervenções de Emergência e Desenvolvimento. A segunda parte desta entrevista poderá ler na newsletter de Novembro
Fotografias gentilmente cedidas por Pedro Matos