A vida depois da reforma

Tive a sorte de, aos 60 anos, me aparecer a oportunidade de terminar a atividade na empresa onde passei quase toda a vida profissional e de, entre esse momento e a efetiva saída, terem decorrido uns oito meses, que me deram tempo para pensar e planear a nova etapa que despontava. Nunca gostei de ver aquelas pessoas carregam a reforma como um fardo, sem objetivos e apenas vendo passar o tempo. Felizmente, conhecia em familiares e amigos mais velhos bons exemplos de reforma ativa e útil.

Fiz umas contas e, como o volume da conta bancária ou o estatuto social não são as minhas maiores motivações de vida, decidi que não faria sentido encetar nova etapa profissional, preferindo pôr a render de forma gratuita as capacidades e competências adquiridas. Sem pressas, fui pesquisando oportunidades de voluntariado em que pudesse fazê-lo e sentir-me realizado. Confesso que não foi assim tão fácil, porque queria encontrar organizações credíveis e onde sentisse que podia acrescentar valor com a minha participação, não meros passatempos. Foi assim que em 2015 cheguei à Ser Mais Valia, então ainda projeto Mais Valia da Fundação Calouste Gulbenkian, e conheci também o projeto Re-food.

As actividades como voluntario

Na Ser Mais Valia, tive a sorte de, logo em 2017 e 2018, fazer duas missões em Moçambique junto de organizações que apoiam crianças e jovens em risco, às quais continuo muito ligado e a apoiar à distância, através dos contactos pessoais e das campanhas de apadrinhamento anuais que a nossa Associação tem patrocinado e que têm permitido a alguns desses jovens prosseguir os seus estudos de nível superior. Passei também a integrar o projeto Mentoring, que me tem trazido muitas alegrias pelos sucessos dos jovens que acompanho. Ambas as atividades têm proporcionado um enorme enriquecimento, pela abertura de horizontes que proporcionam e pela exigência de me manter atualizado e aberto à novidade que é a vida dos jovens de hoje.

A Re-food proporcionou-me outro tipo de experiências e de realização. Na Maia, onde resido, fui um dos fundadores do núcleo local e um dos seus coordenadores até finais do ano passado. Semanalmente dedico umas horas à gestão das atividades do núcleo e mais algumas no trabalho de recolha e distribuição de refeições a famílias carenciadas, conjugando dois combates: ao desperdício alimentar e à carência económica, esta muitas vezes acompanhada de outras carências comportamentais. É um trabalho exigente, que faz sair da nossa zona de conforto e conhecer realidades que por vezes passam despercebidas, e em que nos sentimos especialmente compensados quando vemos alguma das famílias assistidas a “dar a volta” e conseguir encontrar uma situação mais sustentável e uma vida em melhores condições.

Para além destes trabalhos, aceitei coordenar desde 2016 o Secretariado Diocesano da Pastoral Familiar do Porto, do qual já fazia parte. Numa diocese de dois milhões de habitantes e quase meio milhar de paróquias, é muitas vezes uma tarefa exigente e absorvente articular trabalho, motivar e animar as equipas locais na sua atuação em prol das famílias, nas suas múltiplas realidades.

Que concilio com os compromissos familiares

Claro que ainda me sobra tempo para a tarefa prioritária que é ser avô – e essas horas dedicadas aos netos são as melhores da semana – e os hobbies também não são esquecidos nem subalternizados.

Diria em jeito de conclusão que reformar-me foi uma bênção! É óbvio que tenho de conviver e saber gerir as limitações que vão aparecendo. Mas tenho tempo para mim e para os meus, faço o que gosto, sinto que sou uma mais valia nas atividades que escolhi realizar, tenho mais saudades do futuro do que do passado e por isso caminho a olhar para a frente e não para trás.

 

Ângelo Soares

Voluntário SMV