Dia da Guiné-Bissau (24 de setembro)

Atcho Express

 

Um ativista cultural em Bissau

 

Para assinalar o Dia da Guiné-Bissau (independência), optámos por dar a conhecer um agente cultural que ali pudemos conhecer junto do Centro Cultural Português (CCP), e que há muito se afirma na intervenção cultural em Bissau. (As condições técnicas de receção não foram as melhores, pelo que pedimos desculpa ao entrevistado, que merece ser bem mais conhecido, e aos leitores por algumas eventuais imprecisões.)

 

Quem é o Atcho Express?
O meu nome é Jacinto João António Mango, o nome artístico é ATCHO EXPRESS. Nasci em 1976, em Bolama. Sou bacharel em Língua Portuguesa, pela Escola Normal Superior “Tchico Té”, de Bissau.

Que queres dizer com esse nome artístico?
“Atcho” em dialeto Mancanha significa ‘sentou a fazer’ e “Express” significa correio rápido. Literalmente, Atcho Express significa estar a fazer as coisas e para o bem das pessoas com eficiência e rapidez.

O teu trabalho artístico cobre várias artes.
Dizem que sou um artista multifacetado pois sou ator de teatro e cinema, jornalista, poeta, realizador (de documentários) e ativista cultural.

Que queres dizer com ativista cultural?
Para quem me conhece, sou um artista que sempre se preocupou em mostrar o lado mau das coisas e sugerir o lado bom das coisas. Fui o primeiro homem-estátua da Guiné-Bissau: a minha primeira aparição foi em 2012, no dia 27 de Março, Dia Mundial do Teatro. Na Rotunda da Mãe d’ Água, que batizei de Rotunda da Paz, a segunda, em 2016, onde fiz de Amílcar Cabral. E a terceira foi em Bafatá, cidade natal de Amílcar Cabral, a 12 de Setembro, onde utilizei chapa chapa como símbolo da unidade nacional. Lembrando as pessoas que a Guiné-Bissau desde a luta [pela independência] foi sempre um tchapatch das etnias [uma mistura integrada de etnias] onde não se falava das religiões e muito menos das etnias.
Em todas as minhas aparições chamei sempre a atenção para os valores do bem comum, respeito pela dignidade humana, denunciei o racismo, o regionalismo (?) e a religião e ao mesmo tempo pedi aos governantes, militares e sociedade civil para preservarmos o bem comum e os valores da luta [da independência].
Nas minhas intervenções cito a Voz de [Amílcar] Cabral… “Deitar as armas no chão e buscarmos a solução pelo diálogo; kiki liberdade, o que significa liberdade”.
Entre várias formas e peças de teatro, sempre atuei como ativista cultural individual porque não espero por ninguém, não peço a ninguém para fazer o que pretendo fazer pelo bem do meu povo, de África, do mundo.

Nas tuas artes ou práticas artísticas, o que te move?
O que me move é o amor que tenho e sinto pela minha terra. O meu povo é a minha fonte de inspiração. Tudo o que faço como prática artística é a pensar no meu povo e a dar seguimento à obra de Amílcar Cabral. A tarefa maior é a construção do país.

Em que estruturas ou organizações desenvolves a tua atividade?
Trabalho no Centro Cultural Português [em Bissau] desde 2001, sempre na programação cultural, e também colaboro com outros centros. Também trabalho como diretor do Serviço do livro e obras discográficas, na Direção-Geral da Cultura.

Em 1996, fundaste um grupo de teatro: Brigada Cultural Estudantil (BCE). Queres contar como e porquê? E o que fez ou tem feito? Continua a existir?
Tinha como objetivo desenvolver as atividades extra-escolares. Por outro lado, ajudar os alunos. O que fizemos: atuavamos com teatro e música. As formas e peças de teatro eram sobre problemas sociais, da escola, como o relacionamento entre professores, alunos, etc. Uma das metodologias usadas era que todos vamos escrever algo, todos corrigir juntos. Resultado: muitos [dos participantes de então] são escritores hoje, com grandes publicações, caso de André Mendes, Maurumo (?) Mané.
Atualmente já não estou na BCE.

Também fundaste a Associação Guineense de Professores de Português. Portanto, és ou foste professor? Onde?
Sim, tenho sido professor de português, há 15 anos, nos liceus Dr. Agostinho Neto e Dr. Rui Barcelo da Cunha.Ccomo referência pedagógica, Sebastião da Gama.

Na tua opinião, como está o ensino da língua portuguesa na Guiné-Bissau?
O ensino da língua portuguesa na Guiné-Bissau com a presença do CCP (?) e outros organismos, como a FEC [Fundação Fé e Cooperação] que ajudou bastante na performance do estudo da língua portuguesa na formação de professores. Mas o nosso grande problema é a prática constante da língua. Estamos a falar de um povo com mais de duas dezenas de grupos étnicos e tendo o crioulo como língua nacional, o que dificulta muito na aprendizagem do português.

És ou foste membro do Clube UNESCO Guiné-Bissau. Que faz esse clube?
O Clube UNESCO é uma pequena organização com o objetivo de capacitar os alunos nas matérias da educação e cultura. Realizávamos pesquisas nos locais históricos e depois das visitas cada membro contava o que viu através de desenho, poema, texto descritivo, peça de teatro e depois discutíamos os valores em conjunto.

Vejo-te referido como dramaturgo e publicaste pelo menos um livro de poemas. Fala-nos da tua atividade como autor.
Como autor, escrevi várias peças de teatro, tendo a última a mais famosa “Confuso”. E sou ator de teatro e cultura. Sim, publiquei a minha obra “Falsu Plaqué“, em 2002, em Canchungo, com o objetivo de dar a conhecer o meu lado romântico e tenho vários poemas gravados de vários autores, [alguns]  estrangeiros.

Como vês o panorama literário da Guiné-Bissau?
Costumo afirmar que estes 5 a 6 anos são anos de muita produção literária, aqui na Guiné-Bissau. Foi sempre o esforço individual dos autores e também a participação dos editores Ku Si Mon e Corubal. Ainda falta o incentivo por parte do Governo em apoiar. Quanto à divulgação, acho que com o apoio do movimento literário do país, muitas obras estão sendo divulgadas  nos cafés literários. É de salientar que há autores femininos.

E quanto às artes plásticas, ao cinema, à fotografia…
Durante o meu trabalho no CCP, pude acompanhar os artistas plásticos guineenses que hoje em dia são um grupo de [grandes] nomes, desde os mais consagrados até aos mais novos. Caso do Lemos Djata, Luís Lacerda, Aly, Edy Matos, Sidney Cerqueira, Ismael H. Djata, Botodjo, Chipi, entre outros.
A fotografia é a minha paixão. Já tenho 4 curtas (documentários) e estou a ultimar a minha primeira longa metragem. Já fiz duas exposições fotográficas.

Qual é a tua atividade como jornalista?
A minha atividade como jornalista é fazer programas, gravar spots e escrever, gravar e mostrar teatros, e tenho atualmente um programa “Prazer das Leituras”.
Com a Direção-Geral da Cultura, [trabalho] na formação dos agentes culturais no domínio da língua portuguesa.

Na presente situação de pandemia, em que a cooperação presencial se torna na prática impossível, há alguma coisa que poderia ser feita à distância?
Como este ano [estamos em pandemia], acho que o Facebook salvou-nos. Todas as semanas tenho entrevistas no Facebook [da Direção-Geral da Cultura] com diferentes temas. Portanto, podemos fazer muitas coisas. Este é o momento da criação intelectual.

Se tivesses uma varinha mágica e pudesses realizar uma, apenas uma ação mágica a favor da cultura da Guiné-Bissau, qual seria?
Criei uma república – “República da Guiné Cultural” – há dois anos, com objetivos de alertar os jovens sobre valores culturais. Se eu pudesse ter a varinha mágica, caminharia todo o mundo para essa república onde não há golpes de estado, não há problemas étnicos e muito menos religiosos, acima de tudo não há invejas, só há amor ao próximo.

Em que medida o teu trabalho cultural foi afetado pela atual pandemia?
Limitou os meus sonhos pela [dificuldade de as] pessoas verem o meu trabalho. Tenho sonhos nas gavetas e já estou a montar um trabalho para depois.

Pessoalmente, quais são as tuas ambições ou objetivos para o futuro próximo?
A minha ambição é conseguir publicar os meus dois livros traduzidos em 5 línguas: português, francês, espanhol, árabe, crioulo. E o outro é sobre a peça de teatro “Confuso”, um estilo de teatro criado por mim.

Recolha por José A. Jana
Voluntário da SMV

 

Para conhecer um pouco mais de Atcho Express:
1) Atcho Express em Poetas à Solta
https://www.youtube.com/watch?v=mlQZBtxGR-c&feature=youtu.be&fbclid=IwAR1APnVp_IQbjGTfPRKJJA1L9dUAdn2fQNSw6aePpxSutqn-EeVcGIUWkZw
2) Jornalista e apresentadora Margarida Urolis entrevista Atcho Express & Pape di Nha Raça
https://www.youtube.com/watch?v=3dL569_uJxg