Dia Mundial da Alfabetização (8 de setembro)

Alfabetização rima com libertação

 

Há cerca de 5.000 anos foi criada a escrita alfabética e, com isso, abriu-se um novo continente de realidade. Nem sempre nos damos conta disso, mas há uma parte importante da nossa vida em que só conseguimos navegar através da linguagem escrita. Podemos ter uma pálida imagem disso quando andamos num país cuja língua não dominamos. Mesmo assim, essa língua estranha não nos é completamente misteriosa: sabemos como “uma” língua funciona e, por isso, aquela tem só outro modo de funcionar. Se eu o aprender, serei capaz de o dominar.

Contudo, apesar dos milénios já passados, muitos – demasiados – seres humanos ainda não tiveram acesso a essa chave de poder. Sim, de poder. Do poder de serem senhores da sua vida nesse continente de realidade cuja gramática se processa sob a forma escrita.

Paulo Freire (1921-1997), cujo centenário estamos a celebrar este ano, foi um paladino da alfabetização. Não apenas como domínio técnico de um código, mas como forma de ajudar as pessoas a acederem ao poder – sim, ao poder – que advém do domínio da escrita. Por isso, como pedagogo, Paulo Freire sempre assumiu que a alfabetização não é apenas ensinar a ler e escrever textos, mas sobretudo uma forma de ajudar as pessoas a conquistarem, pelo domínio da escrita alfabética, o poder sobre a vida de que se viram excluídas pelo analfabetismo. Para Paulo Freire, a alfabetização implica o exercício de aprender a ler o mundo em que a escrita assume o lugar de código da vida e aprender a escrever a sua vida nesse mundo. O mais importante é o que não pode ficar de fora, o poder de que se foi excluído pelo analfabetismo a que se tem sido condenado. Alfabetização rima, portanto, com libertação. Não que o alfabetizador liberte o analfabeto, nem que o analfabeto se liberte a si mesmo, mas que, aprendendo com os outros, consiga ser senhor da sua vida num mundo partilhado.

À volta do mundo, há ainda muitos povos em que a percentagem de analfabetos é elevada, a ponto de condicionar o desenvolvimento de todo o povo. Nos países mais industrializados, ou mais escolarizados, há ainda taxas elevadas de pessoas marginalizadas ou mesmo excluídas pela falta da escrita, isto é, da falta do poder que se rege por códigos escritos.

Além disso, há agora novos continentes de realidade a ter em conta. A literacia digital e a literacia financeira, por exemplo, são formas de poder ler e interpretar e, em consequência, de decidir a sua vida num mundo em que o digital e o financeiro ganharam o estatuto de gramática das formas de vida, tanto pessoal como coletiva.

Há um trabalho imenso a fazer, tanto ao pé da porta como a nível global.

 

José Alves Jana, 

Voluntário da SMV