escritAFRICANDO visto por Júlio Siga

1.º Encontro de Jovens Escritores Africanos de Língua Portuguesa: reflexão.

Uma das minhas admirações, desde tenra idade, é a escrita. Texto escrito. Enfim, escrever em si é uma arte e a arte é bela. A própria literatura, na sua conceção tradicional, remete-nos para este conceito. Assim sendo, escrever talvez seja uma das atividades mais sublimes que o homem criou. Pena que poucos homens consigam exercer a escrita como arte.

Como é sabido, a melhor forma que o homem encontrou para preservar, transmitir e divulgar a sua cultura é a escrita. Contudo, muitas das nossas escolas, em África, em particular no meu país, Guiné-Bissau, não têm seguido com muita firmeza este caminho de promoção da cultura de escrita. Este facto é reforçado com a ausência de políticas públicas educativas que se alinhem em promover essa componente de Cultura com C maiúscula, cultura enquanto arte de saber ler e escrever, a erudição. Isso faz com que muitos de nós, jovens africanos, que se interessam ou sentem nas veias esse sangue, acabemos a ver assassinado esse nosso potencial humano. Tudo porque, mesmo querendo persistir, não tendo um acompanhamento, uma orientação que lhe possa servir de luz para o caminho a percorrer, muitos acabam por se resignar e abandonar este itinerário. As razões são inúmeras, começando pela ausência de tudo aquilo que uma boa política pública educativa e cultural poderiam proporcionar.

O que dissemos atrás leva-nos a ter uma ideia geral do que poderia significar a importância do Encontro de Jovens Escritores Africanos de Língua Portuguesa, organizado pela Ser Mais Valia – Associação de Voluntariado para a Cidadania e Desenvolvimento (SMV) –, que visa apoiar e incentivar a criatividade literária entre os jovens escritores africanos em início de carreira e dar visibilidade às suas obras em língua portuguesa com a publicação das mesmas. É sobre isso que vamos apresentar aqui a nossa reflexão enquanto participantes beneficiários dessa ímpar oportunidade.

O Encontro de Jovens Escritores Africanos de Língua Portuguesa, realizado no dia 23 de outubro, manhã e tarde, em Lisboa, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, ao Campo Grande, foi um evento que nos serviu para encontrarmos amigos e colegas escritores do grupo de WhatsApp com quais partilhamos sempre informações e saudações. Foi igualmente um momento que não só a mim serviu, mas também a todos os outros colegas presentes, para podermos exprimir-nos, ou seja, exteriorizar os nossos desejos enquanto jovens amantes e fazedores de opinião por meio de letras.

O encontro permitiu ainda que tanto eu quanto os colegas pudéssemos interagir com outros escritores mais experimentados, bebendo deles as experiências da escrita. Não só o ambiente serviu de partilha de conhecimentos, mas também foi um momento de partilha cultural que tivemos naquele dia. Sendo escrita um ato cultural, não poderia acontecer um encontro sobre ela que não fosse igualmente cultural. A declamação do poeta e ator Jacinto Mango (Atcho Expres) e do escritor e poeta Emílio Tavares Lima, ambos da Guiné-Bissau, encantou os presentes. Só quem lá estava saberia do que estou a falar, pois talvez seja insuficiente o termo “encantou”, que usei para descrever a imensa emoção e entusiasmo que pairava no íntimo de cada um de nós.

Esse encontro foi uma porta aberta, pois não diria aqui janela aberta, porque é mais pequena, uma vez que o encontro era tudo o que faltava acontecer na minha vida e que creio também para os colegas participantes, pois pude trocar, no intervalo para o almoço, impressões com algumas e alguns colegas de diferentes países que ali faziam presente. Prefiro aqui referenciá-los mais pelos seus países do que pelos nomes próprios, ou seja, limito-me a usar o termo os de PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa).

Como já tinha sabido e partilhado as informações sobre esse encontro há mais de quatro meses, chegada a data, tive de me deslocar de Braga, logo no dia 22, para Lisboa para nele poder participar. O meu espírito emocional já estava entusiasmado desde esse momento. Quando cheguei ao local, acompanhado do amigo e colega Abubacar Mendes, quem também convidei, o evento já tinha começado. Vi colegas a apresentarem-se e falando um pouco dos seus gostos pela escrita. Vendo a sala bem lotada, respirei fundo. Como podem imaginar, foi aquela impressão que sempre sentimos quando atrasamos para chegar num evento de capital importância e que tanto nos diz algo, uma sensação ora de ver um desejo a realizar ora de preocupação em ver escapado algo importante que gostaríamos de ter assistido, mas que nem sabemos de concreto o que é, porém ficamos só a imaginar que algo já passou. Em seguida, chegada a minha vez de me apresentar, tomei a palavra do meu jeito falador de sempre: queria tudo dizer, o mestre da cerimónia, Alves Jana, retirou-me a palavra, pedindo-me que deixasse a outra parte da minha intervenção ficasse para a segunda parte da minha comunicação.

Já no segundo momento da minha alocução, usei as minhas palavras para prestar o meu reconhecimento à Ser Mais Valia pelo apoio que me tem prestado no meu percurso académico, por meio do meu tutor Professor António Pereira, com quem tenho aprendido bastante. Após a minha comunicação, ofereci um livro nosso intitulado Linhas para Expansão e Afirmação da Língua Portuguesa como LE/L2, uma obra publicada em junho de 2021, na Universidade do Minho, que integra autores dos países designadamente Brasil, Cabo Verde, China, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor-Leste, na qual participei com um artigo científico intitulado “O Lugar da Cultura na Didática de Português Língua não Materna”. Realizado o meu gesto de entrega da obra, que autografei, nas mãos da Ana Maria, uma das responsáveis da organização, senti-me profundamente agradecido e logo retribuído.

Com os colegas, convivemos num ambiente de intercâmbio de sonhos e de partilhas de ideias sobre as nossas escritas e os desafios que ainda temos de enfrentar. Para mim ficou claro que o caminho ainda é longo, mas acessível. Fomos unânimes em defender uma urgente necessidade de termos uma produção em conjunto, na sequência  do próprio encontro. Assim, solicitámos a Ser Mais Valia no sentido de nos proporcionar uma possibilidade de publicarmos uma antologia que integre os autores presentes, servindo também como uma das formas de imortalizar esse encontro. Quando nos apercebemos que o nosso desejo já estava anotado pela organização e que havia um sinal positivo que já se vislumbrava nos semblantes dos membros presentes da organização, a nossa alegria foi acrescida. Vemos aqui uma oportunidade de pelo menos termos já algum trabalho nosso um dia publicado, um passo gigantesco a dar.

Um outro momento que também nos serviu de grande inspiração foi o de um conjunto de comunicações proferidas por alguns escritores e agentes editores/livreiros. Essas comunicações permitiram-nos vislumbrar o tal caminho almejado, que é o de publicar as nossas obras. Com elas, conseguimos levantar uma série de questões que visavam dissipar todas as nossas dúvidas relativas ao que poderia ser o caminho ideal a seguir, para podermos um dia chegar às bancas das grandes livrarias.

Assim, para mim e para os meus colegas, o encontro conseguiu elevar o nosso sentimento de gosto pela escrita, deixando-nos cada vez mais desafiados e esperançosos em podermos prosseguir nesta vida cultural. Um outro aspeto importante que aprendemos tem a ver com algumas técnicas/normas que nos permitam melhorar a nossa escrita. Com isso, acho que cada um de nós, desde esse dia, tem reforçado e aperfeiçoado bastante o seu engajamento e a sua escrita.

Enfim, todos nós saímos animados e satisfeitos, quer com o alto nível de organização do evento quer com os riquíssimos conteúdos e atividades proporcionados, desejando que este seja o primeiro de muitos outros encontros ainda por organizar, sendo o nosso grupo os principiantes.

A todos, o nosso muito OBRIGADO!

Um bem-haja!

Braga, 12 de dezembro de 2021

Júlio Mário Siga
Bolseiro de Camões, IP
Mestrando em PLNM – LE/L2 pela Universidade do Minho.