A notícia chegou-nos, de algum modo prevista, mas sempre a desoras. Faleceu a Irmã Alda, fundadora das Irmãs de Santa Maria do Cenáculo, com quem trabalhámos em duas missões do projeto FAMBA, em Chicumbane (Xai-Xai, Moçambique). Era reconhecida como a grande dinamizadora da congregação e uma amiga da comunidade local. Nos últimos tempos, uma fragilidade crescente vinha preocupando os que a conheciam. Por isso mesmo, a notícia do seu desaparecimento veio confirmar as referidas preocupações. Era uma mulher decisiva, que ajudou a mudar, não a grande história do mundo, mas a história da sua comunidade local e de muitas das vidas que com ela se cruzaram. Queremos que a sua passagem pelo mundo seja aqui lembrada e dela fique o testemunho que nos é possível. Há pessoas que não devem ser esquecidas.
Irmã Alda, a alma das Irmãs de Santa Maria do Cenáculo
Em setembro de 2017 fiz a minha primeira missão em Moçambique. Foi uma etapa de retoma de contactos da Ser Mais Valia e de exploração sobre o que seria o projeto FAMBA. Com o nosso parceiro Khandlelo entendeu-se que, além de visitar as Casas que seriam objeto da nossa intervenção, seria bom fazer já uma breve formação para iniciar caminho.
Depois duma passagem na Manhiça em que apenas trabalhei com a responsável e dois colaboradores, esperava o mesmo ou até menos ao chegar a Chicumbane, até porque tinha informação de que seria uma comunidade mais carenciada e menos organizada. Surpresa das surpresas: tive de fazer duas turmas em horários diferentes, pois eram mais de trinta pessoas que me queriam ouvir: irmãs da congregação, colaboradores da Casa, mamãs da comunidade, jovens. Por trás disto tudo, a dinâmica da Irmã Alda Macuácua, que nos seus setenta e… se mostrava duma energia inesgotável e tinha mobilizado as pessoas para não perderem uma oportunidade de aprender algo mais. Tudo pareceu fácil perante o interesse daquela gente: em linguagem simples foram bem capazes duma reflexão estruturada sobre a missão, valores e visão daquela comunidade e as prioridades para o seu desenvolvimento; e tudo isto apesar de alguns não falarem português, tendo um colega da Khandlelo servido de intérprete para ronga-changane.
Pude conhecer a obra que aquela pequena congregação, que não terá mais de uma dúzia de irmãs, desenvolvia: orfanato com umas dezenas de meninas; infantário com três salas muito simples mas bem organizado; um instituto médio politécnico com seis cursos a servir centena e meia de jovens, vindos de todo o Moçambique, dotado de condições de alojamento para os de mais longe; a hospedaria com doze quartos em que me acolhi; arrozais extensos e equipamento de descasque; machambas cuidadas e criação de alguns animais. Na segunda visita, seis meses depois, já um posto médico estava em fase de acabamento para suprir uma necessidade daquela aldeia, sonho identificado na primeira visita e rapidamente tornado realidade. Tudo isto só em Chicumbane, casa-mãe da congregação, embora existam outras comunidades com menos expressão na Matola e Gurué.
Por trás de tudo, a animar, a mobilizar, a sonhar e a concretizar, a figura franzina e irrequieta da Irmã Alda, cofundadora da congregação, aquela a quem todos recorriam para um conselho, uma opinião, uma decisão.
Na segunda visita foi fundamental a sua intervenção pois, por confusões de comunicação, chegámos, a Adriana Rente e eu, sem sermos esperados. Dum dia para o outro ela apareceu da Matola e mobilizou os novos grupos para formação.
Nessa visita, anunciou-me que tinha entretanto decidido deixar de ser a superiora, passando o testemunho à irmã Celeste, porque era tempo de preparar o futuro, e que vivia agora na comunidade que a congregação tem na Matola, onde está a maior parte das meninas órfãs. Lição de sabedoria: saber retirar-se a tempo, preparando o futuro, sem deixar de ser a voz da experiência que sempre se ouve com proveito.
Falei com a Irmã Alda pela última vez já durante a pandemia, para em nome da Ser Mais Valia manifestar a nossa presença solidária. Já não lia, devido a dificuldades crescentes de visão causadas pela diabetes, e a sua vozinha sumida indiciava o inevitável declínio físico, ainda que continuasse a mostrar a mesma capacidade de sonhar o futuro.
Guardo no coração, em lugar de honra, as lições, a amizade e o testemunho desta Mulher e os momentos de vida que tive a graça de com ela partilhar, mais ainda agora que Deus a chamou a Si.
Ângelo Soares
Voluntário da Ser Mais Valia
Irmã Alda, uma grande Senhora e Mulher
No passado dia 14 de Julho, precisamente quando regressava dumas curtas férias, recebi a notícia do falecimento da Irmã Alda Uambene Boa de Macuácua, nascida a 18/05/46. Conheci-a em Moçambique, quando realizei a missão “Capacitação Pedagógica de monitores e outros agentes educativos”, concretamente quando no Centro das Irmãs Servas Santa Maria do Cenáculo, em Chicumbane, dei formação às Educadoras das respectivas escolinhas.
Foi uma notícia deveras triste e que me abalou, porque esta Irmã foi uma pessoa que me tocou e sensibilizou bastante pela sua simplicidade, humildade inteligência e capacidade de dar e amar… Com ela partilhei muitos momentos da minha passagem pela sua casa em Chicumbane, com o meu colega de missão Ângelo e as restantes irmãs. Recordo a sala e a mesa que nos acolheu nas refeições que connosco sempre partilharam com simpatia e acolhimento, o seu trato carinhoso, amigável, comunicativo e grande sentido de responsabilidade pela Missão que tinha abraçado desde 15 de Agosto de 1983, como serva de Santa Maria do Cenáculo, depois de uma vida, dedicada a rezar desde os seus 12 anos e consagrada já desde 1968, como postulada franciscana missionária de Maria.
Como sempre, gosto de aprofundar as histórias de vida, e a Irmã Alda comigo partilhou muitos episódios da sua vida rica na forma de estar e abraçar quem dela precisava e até me deu um texto sobre a história da Congregação e a sua autobiografia. Os pormenores de ser nas palavras do professor que a apresentou ao seminarista Francisco Nhampule “aquela menina que não queria casar mas que queria aprender a rezar”, de ter ficado na casa das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria e não na Casa das Irmãs de Nossa Senhora das Vitórias (“Vitorianas que usavam uns hábitos e chapéus esquisitos”), a sua passagem pela Tanzânia, com as Irmãs de Santa Teresinha do Menino Jesus de Tossaganga, mais tarde pela Zâmbia, a sua dedicação à formação de candidatas à vida religiosa, o seu regresso a Moçambique, a sua passagem por Roma, o curso de Espiritualidade Bíblica na Terra Santa na Mater Eclésia Centre, junto ao Lago de Tiberíades, Israel, durante 8 meses.
Finalmente, conseguiu autorização para Formar as Servas de Santa Maria do Cenáculo, em 1983, na zona de Nuvunguene, onde “passaram dias e noites com algumas meninas numa barraca abandonada e numa tenda“ e “graças a Deus nenhuma cobra nem escorpião as atingiram apesar de serem muitos”. Foi nesse local que “iniciaram a vida de oração, comunhão fraterna e trabalho manual para sua subsistência”, “conheceram o sacrifício de se deitarem no chão e de terem como meio de se defenderem das mordeduras de mosquitos uma fumaça que faziam na palhota onde dormiam”.
Com muitas ajudas de outras congregações, conseguiram construir a propriedade que eu e o Ângelo conhecemos, com diferentes casas de acolhimento das meninas, dormitórios, serviços, igreja, tudo muito bem arranjado, com bonitos jardins envolventes, etc.
Recordo ainda muitas histórias que me relatou da sua vida, ali em Chicumbane, e destaco a seguinte. Numa altura de guerrilha, após a independência, um dia uma das meninas desatou a chorar, dizendo que não queria ficar ali a dormir. Embora algumas das irmãs achassem que era um capricho, a Irmã Alda entendeu que ela poderia estar a ser um anjo ou mensageiro de Deus, e que seria melhor obedecerem-lhe. Acabaram por ir a pé até Xai-Xai, e ficaram lá uns dias na casa do Sr. Bispo. Quando mais tarde regressaram a Chicumbane, a aldeia tinha sido quase na totalidade dizimada, não havia cabana poupada à destruição, os guerrilheiros tinham feito atrocidades diversas, matado crianças e homens, estropiado mulheres, etc. A casa das Irmãs, tinha sido vandalizada, os alimentos que possuíam desaparecido ou destruídos, tinham sujado, urinado, etc. Se lá tivessem permanecido possivelmente tinham sido mortas… Ela entendia que, mais uma vez, tinham tido Deus com elas!
E pronto, esta e muitas mais histórias a querida irmã Alda contava com a sua simplicidade e fé características duma grande Senhora e Mulher.
Um bem-haja pela sua vida e testemunho.
Adriana Rente
voluntária da Ser Mais Valia