Cecília Monteiro é Profissional de Educação – Docente de matemática.
Fez parte da Bolsa de Voluntariado do Projeto Mais Valia da Fundação Calouste Gulbenkian.
É associada e voluntária da SMV desde a sua criação.
Vamos conhecê-la melhor:
GC (Graciela Pinheiro) – Cecília, tens dedicado a tua vida profissional a tentar melhorar o ensino da matemática, numa perspetiva de desenvolver a capacidade de raciocínio e de sentido crítico nas crianças e jovens. Que balanço fazes desse teu trabalho?
Sim é verdade, tenho dedicado a minha vida profissional a tentar melhorar o ensino da matemática, numa perspetiva de desenvolver a capacidade de raciocínio e de sentido crítico nas crianças e jovens. Mas cedo percebi que, para além de trabalhar diretamente com alunos, era fundamental alargar a minha atividade à formação de professores. Acredito que são os professores que fazem a diferença, tanto para o melhor como para o pior, e no caso do ensino da Matemática se um professor não domina os temas que ensina, se não aprecia a importância da Matemática, se não percebe como a mente e a motivação dos alunos funciona, então o seu legado é nulo ou mesmo prejudicial. Quantas pessoas, hoje, referem detestar Matemática!
Que balanço faço do meu trabalho ao logo de tantos anos? Acredito que deixei nalguns professores uma semente que se desenvolveu no sentido de serem bons professores., que gostam da profissão que escolheram e que se dedicam s desenvolver a autoconfiança dos alunos e a perseverança na resolução de problemas, aspetos cruciais para se enfrentar desafios da vida. Tenho muito orgulho de jovens professores que estão a fazer um trabalho muito bom.
Em relação às crianças e jovens é difícil saber o que “levaram” com eles das minhas aulas. Nesse sentido, ser professor é um trabalho ingrato, perdemos-lhes o rasto, não saberemos a influência que tivemos na sua vida. .
GP – Integraste a Bolsa de Voluntários do Projeto Mais Valia, da Fundação Calouste Gulbenkian. No âmbito desse projeto, foste em missão à Ilha do Príncipe em 2015, durante dois meses. Quais foram as tarefas que desenvolveste lá?
Integrei a Bolsa de Voluntários do Projeto Mais Valia, da Fundação Calouste Gulbenkian, desde o seu início e a minha primeira missão foi sim, na Ilha do Príncipe. Desenvolvi um programa de formação de professores e de parceria pedagógica durante dois meses com o objetivo de implementar ações de formação de professores da 1ª à 9ª classe na área da educação matemática e levar a cabo um trabalho em parceria pedagógica com professores. Nesta última vertente tive a oportunidade de estar com eles na sala de aula, colaborando na lecionação e ajudando os alunos. Depois da aula havia uma reunião individual com cada professor para análise da aula e onde se discutiam aspetos didáticos e científicos de matemática e onde eram sugeridas abordagens mais centradas nos alunos e nas suas dificuldades. Nas ações de formação trabalhava com grupos de professores nomeadamente do ensino básico onde eram discutidas estratégias didáticas e também temas científicos subjacentes aos conteúdos que tinham de lecionar, visto ter detetado muitas lacunas de conhecimentos matemáticos por parte deles. Elaborei também vários documentos de apoio à formação.
Ilha do Príncipe (2015): Sessão de formação para professores do ensino primário
GP – Estiveste envolvida durante um ano (out/2018- set/2019) no Projeto RECEB, da UNICEF e Universidade do Minho. Podes falar-nos desse Projeto??
Foi um projeto do Ministério da Educação da Guiné-Bissau, coordenado pelo Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação da Guiné-Bissau, o Banco Mundial, a UNICEF, a Universidade do Minho e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. O projeto tinha como objetivo a promoção da melhoria da qualidade e da eficácia da educação básica na Guiné-Bissau, do 1.º ao 4.º ano, desenvolvendo novos currículos, manuais e outros materiais. Participei neste projeto em duas missões em 2018 e 2019 como formadora de formadores de matemática. Esses formadores iriam depois, numa lógica de “formação em cascata” formar professores para implementarem os novos currículos em sala de aula. Também, neste caso, percebi as grandes dificuldades que tinham em tópicos de matemática básica, o que me levou a dedicar algum tempo da formação a tentar colmatar essas lacunas.
Bissau, 2018.Formação de formadores no âmbito do Projeto RECEB
GP – A tua missão na Guiné-Bissau em 2019 foi desenvolvida no Liceu Politécnico das Aldeias SOS. Quais foram os objetivos dessa tua missão?
No Liceu Politécnico das aldeias SOS desenvolvi formação para docentes que possuíam formação inicial como professores (refiro isto porque uma boa parte das pessoas que lecionam na Guiné não têm formação específica). Neste caso, o foco da formação não era o ensino da matemática, mas sim aspetos fulcrais para um professor, independentemente da disciplina que lecionam. Foram trabalhados temas como gestão curricular, planificação, comunicação pedagógica, aprendizagem construtivista, metodologias de ensino e trabalho de projeto. Foi muito interessante, na medida em que no final desenvolveram em grupo, um trabalho de projeto escolhido por eles, que apresentaram e discutiram na última sessão. Depois das sessões com professores e nas instalações da aldeia SOS, onde estava alojada, tive oportunidade de ajudar as crianças a fazer os trabalhos de casa.
Grupo de crianças da aldeia a fazer os trabalhos de casa. Aldeia SOS em Bissau, 2019
GP – Voltaste à Guiné -Bissau com o Projeto Mais Conhecimento – Melhor Futuro. Um projeto da Ser Mais Valia, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, e que está a terminar a sua segunda edição. Como avalias a tua participação neste projeto?
Sim, este projeto está a completar a segunda edição (2024-2025), tendo a primeira decorrido entre 2022 e 2023. Destina-se a estudantes do 12º ano de escolas públicas. É um projeto que além de ser financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, conta com apoio do Instituto Camões – Centro Português de Cooperação em Bissau.
Tem como objetivo contribuir para uma melhor integração dos alunos nos estudos universitários e no mercado de trabalho, reforçando as suas competências nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática e TIC e organização de Projetos. tem uma componente presencial e outra com aulas online. O meu papel, juntamente com 3 colegas de matemática, no projeto MCMF centra-se em proporcionar aos estudantes envolvidos, uma melhor compreensão da Matemática, consolidando conhecimentos e preenchendo lacunas que trazem desde os primeiros anos de escolaridade. Tem sido um desafio enorme para nós, professores e para os alunos. A motivação dos alunos não pode deixar-nos indiferentes e obriga-nos a reforçar o nosso trabalho, seja na elaboração de materiais, seja em diversificar estratégias didáticas, tanto nas aulas presenciais como nas aulas online. Reconhecem que precisam de muito trabalho para conseguirem atingir um nível que lhes permita irem para o ensino superior. Uma das componentes do MCMF é o desenvolvimento por parte dos estudantes de um trabalho de projeto, cujo tema é escolhido por cada grupo. Durante o desenvolvimento do projeto e depois na apresentação final há que recorrer a conhecimentos de português, de estatística e de trabalho com computadores, visto que a apresentação será feita em PowerPoint e o recurso à folha de cálculo. A avaliação que faço é muito positiva. Fazemos uma avaliação continuada dos alunos com momentos formais no início para diagnosticar, um teste intermédio a meio do curso e um final. Comparando os testes inicial e final constatámos que os alunos progrediram imenso no primeiro curso, e acreditamos que nesse segundo curso também iremos verificar o mesmo progresso. No rescaldo do primeiro curso que finalizou em 2023, temos alunos que ingressaram no ensino superior e inclusive alguns conseguiram bolsa para irem para fora da Guiné estudar.
Grupo de alunos do projeto MCMF no bairro da cooperação portuguesa em Bissau, onde decorre a formação
GP – Em jeito de conclusão, queres reportar algo que consideres relevante?
Quando me reformei fiquei preocupada com o facto de deixar alunos, professores, projetos que me tinham ocupado de uma forma tão positiva durante 36 anos. A ajuda que ia dando a jovens familiares e filhos de amigos, em Matemática, não era completamente compensatório. Hoje, pertenço a um grupo de investigadores em História da Educação Matemática e pertenço à Associação Ser Mais Valia, continuando assim na senda a que me propus de contribuir para que, mesmo numa pequena dimensão, a Matemática que os alunos aprendem não se limite a cálculos sem sentido, a um aborrecimento e seja um modo de pensar e estimular a curiosidade.
A minha participação como voluntária na Associação Ser Mais Valia e antes, no projeto “Mais Valia” dura há 10 anos! Tem sido um privilégio pertencer a este grupo solidário e a uma Associação que me tem permitido o contato com realidades diferentes e manter-me ativa e útil.
Graciela Pinheiro
Voluntária da Ser Mais Valia