Retratos de Missão

As fotografias que vamos acumulando no telemóvel, no computador, nas paredes e estantes ou até em álbuns, são formas de fixar a memória e de recordar sensações e experiências.

Estes retratos de missão são resumos de impressões fortes colhidas em terrenos onde o trabalho que realizamos é minucioso e se distingue pela diferença.

Durante um mês, dois voluntários estiveram a apoiar a formação de profissionais de saúde na Guiné-Bissau. Já conhecemos o testemunho da Leonida Milhões (aqui), mas faltava ainda “ouvir” o Lincoln Justo da Silva e tentar perceber como pode um período curto (4 semanas) fazer diferença num lugar de necessidades tão amplas.

Saúde na Guiné

“O objetivo da missão foi atualizar conhecimentos sobre Neonatalogia, para os docentes do Curso de Enfermagem na Escola Nacional de Saúde e para os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros) do Hospital Pediátrico de Bôr. Nesta Instituição foram também incluídos os estudantes do 4º ano da Faculdade de Medicina do Instituto Jean Piaget.

Na Escola Nacional de Saúde as sessões tiveram uma ênfase na metodologia pedagógica (como ensinar, como dar feedback, como avaliar) enquanto que no Hospital Pediátrico de Bôr as sessões foram direcionadas para a clínica do período neonatal (0-28 dias). Apesar dos profissionais de ambas as instituições terem estado comprometidos com as suas tarefas diárias, as sessões foram sempre muito participadas. Além destas atividades que decorreram de segunda a sexta feira, tive oportunidade de visitar com detalhe 9 centros de saúde e Serviços de Pediatria, Neonatalogia e a Sala de Partos do Hospital Central Simão Mendes.

A missão permitiu constatar que a formação dada em Língua Portuguesa  e baseada nas necessidades identificadas pelos responsáveis locais é uma característica valiosa da Ser Mais Valia.  Segundo me foi referido, quase todas as formações  são dadas em língua inglesa, francesa ou italiana. O valor da nossa missão foi utilizar a língua comum aos dois países (Portugal e Guiné-Bissau) como veiculo de comunicação, tanto na formação médica como na formação em Língua Portuguesa. Este facto pode constituir um forte argumento para a continuação de missões curtas e direcionadas para necessidades locais específicas.

Na Guiné-Bissau existem numerosos problemas (de dimensão variável) em todas as áreas. Dada a proximidade geográfica de Portugal e  a pequena dimensão do território,o apoio da Ser Mais Valia torna-se ainda mais viável, em missões com o objetivo não apenas de resolução de problemas, mas que assegure a sustentabilidade da resolução, através da formação de elementos locais.”

Lincoln Justo da Silva

No outro lado do continente africano a Fernanda Antunes fazia a sua missão com a Aid Global e a Rede de Bibliotecas escolares do Distrito do Chibuto, em Moçambique. Para uma missão de “batismo” esta foi uma longa experiência de dois meses com muitas emoções e muitas surpresas. Este é o relato do “meio de missão”.

Leituras de Moçambique

“Vamos lá colocar no papel as vivências e evidências da minha passagem por Chibuto nestas três semanas. Verdade já passaram três semanas. A primeira foi estabelecer contacto com as pessoas e serviços, a segunda foi uma verdadeira aventura por caminhos de Moçambique, de escola em escola, começando na escola de Chégua, Melhice, chaimite… dos primeiro e segundo graus nas zonas rurais do distrito de Chibuto. Como companhia iam comigo a Joana e o Castigo (colegas da AIDglobal) e 2 técnicos do serviço distrital de educação do Chibuto. Na bagagem ia o livro: ” A Formiga Juju na Cidade das Papaias”. Enquanto se supervisionava o trabalho desenvolvido pelas escolas, no âmbito da leitura e acesso ao livro com o Apoio das ” Maletas” e “Bibliotchovas” (mini bibliotecas oferecidas a 27 escolas do distrito de Chibuto pela AIDGLOBAL) a Formiga Juju entrava na sala de aula para ser contada às crianças, esta é uma forma prática e simples de motivar os alunos para a leitura e também de sensibilizar os professores para a sua prática quotidiana. Foram duas semanas profícuas de trabalho e cheias de emoções e experiências inesquecíveis. Nesta digressão de entrar e sair de escola em escola, foi possível conhecer diferentes realidades,  situadas em zonas rurais e carenciadas.  O número de crianças por turma varia entre as 35 e as 45. Todas escutavam com interesse e muita atenção, mesmo nas salas onde foi necessário traduzir a história para Xangana.  
Percebi em muitas salas que a primeira coisa em que reparavam  na minha cor de pele, senti em algumas salas que a primeira reacção era de espanto, estranheza, mas passando da história aos movimentos e à acção esse sentimento depressa desaparecia e dava lugar à curiosidade e interesse pelo que lhes era proposto. Em todas as turmas, às vezes sentados três a três, outras sentados no chão da palhota sem qualquer tipo de mobiliário, a história era ouvida com muita mas muita atenção, participada a princípio com alguma timidez, no final com satisfação, em turmas do primeiro ano (alunos de 6 anos) ou turmas de sétimo.
Um dos momentos que guardo é aquele em que contei a história numa palhota, onde a cadeira era a capulana (pano africano) estendida e a mesa era o chão. Estas condições em nada impediram uma vivência de grupo e partilha,  feita de forma descontraída com os alunos a participar em toda a dramatização da história, o envolvimento pronto e franco da jovem e bonita professora, que falava dos alunos de uma forma sempre carinhosa referindo-se  à turma que era sua há 5 anos, e de que já sentia saudades já que em breve receberia um novo grupo de alunos. Foi um momento muito bom que desfez a angústia que senti, quando li a “A Formiga Juju na Cidade das Papaias ” pela primeira vez num contexto de tantas necessidades. O espaço conta, mas existem formas de ultrapassar essas dificuldades.
Esta semana, enquanto o espaço da Biblioteca Municipal não estiver pronto, a nossa atividade centrou- se no contacto com os Jardins de Infância, dando início às sessões de leitura no Jardim Municipal. Esta atividade pretende estimular as idas ao jardim e a entrada na biblioteca criando hábitos de leitura e acesso ao livro, valorizando e potencializando o acervo da biblioteca como um recurso que deverá servir a população, nomeadamente as crianças. As sessões estão a correr bem vamos ver as próximas ainda é cedo para tirar conclusões.
Também tenho participado no projeto que está a ser desenvolvido no Centro de Saúde com as mulheres grávidas. Entre outras iniciativas existe a de leitura de uma história, duas vezes por semana. É uma boa iniciativa da AIDGLOBAL e estou a gostar deste projeto.
Fernanda Antunes