“Só começamos depois de continuar”

Integrar uma missão de Saúde, num dos países mais pobre do mundo, e ter como tarefa o ensino do português, é um desafio invulgar. Leonida Milhões esteve 5 semanas na Guiné-Bissau, respondendo ao pedido que foi formulado à Associação Ser Mais Valia: Formação em neonatologia e em português. A nossa voluntária usa a frase de Filomena Molder para sintetizar o seu trabalho.

“Ler mais que palavras”
A minha Missão de 5 semanas na Guiné-Bissau pretendia auxiliar na aquisição e reforço de competências na área da Língua Portuguesa. Assim, trabalhei com professores e técnicos da Escola Nacional de Saúde 3 manhãs por semana, alguns professores tinham no mesmo horário formação em neonatologia, e nos outros dias o grupo era acrescido com os restantes professores. Na última semana trabalhei sempre com o grupo alargado.
Dando prioridade à oralidade criámos espaços para reflexão e discussão de alguns temas considerados pertinentes e de interesse geral. A relação Escola\ Família\ Comunidade; os novos desafios face aos novos paradigmas, necessidades e interesses; a Língua Portuguesa como Língua Oficial num país que tem por Língua Materna o crioulo – este tem variações de acordo com os diferentes grupos étnicos e culturais – e as dificuldades com que se debatem os países de Língua Oficial Portuguesa foram alguns dos temas em debate.
A escrita não foi descurada e, usando o quadro em paralelo com os cadernos de apontamentos ou outras ferramentas se havia luz, internet ou a possibilidade de recurso a outros materiais, fizemos algum trabalho de consolidação revendo noções  gramaticais, elaborando documentos, registando opiniões pessoais e de grupo ou preparando breves apresentações orais sobre os temas trabalhados.
Para finalizar e avaliar preparámos a nossa participação num Seminário, organizado em conjunto com o Dr. Lincoln, onde a importância da Língua Portuguesa na Guiné Bissau e nos Países de Língua Oficial Portuguesa bem como as maiores dificuldades sentidas pelos professores e alunos no seu estudo e uso comum foram  apresentadas e discutidas.
Hospital Pediátrico de Bôr

As tardes foram, de igual modo, ocupadas no Hospital Pediátrico de Bôr onde trabalhei também com técnicos, num pequeno grupo, e com este grupo acrescido de médicos e enfermeiros nos outros dias em que usávamos como sala de trabalho o refeitório. Mais uma vez, valorizando a expressão oral, não descurámos a escrita nem a prática gramatical e elaborámos pequenos textos, documentos oficiais, relatórios e outros materiais de manifesto interesse para os grupos de formandos que, tal como na Escola, iam dando sugestões e colocando dúvidas de uma forma bastante concreta, oportuna e fundamentada.

No total fizemos 60 horas de formação na Escola e de 30 no Hospital. É um pouco difícil resumir o trabalho feito pois apenas sinto que recomecei um trabalho continuando outros ” feitos” anteriormente e deixei, de novo, tudo por fazer.

Numa partilha aberta de saberes e experiências o grande desafio foi trabalhar a complementaridade e criar pontes capazes de ligar interesses diferentes com vontades iguais.  No debate de ideias ou opiniões se foram criando consensos e, aceitando a riqueza da diferença, tentando responder à necessidade comum de reforçar e melhorar competências,  de modo a valorizar o gosto pelo uso da Língua Portuguesa, criando espaços de expressão, de forma oral e escrita, com maior segurança, na língua oficial de seu país. O facto de os formandos serem adultos “formados” muito competentes e de grande saber acumulado, mesmo tendo em conta as idades mais jovens, permitiu enriquecer  o debate e a partilha de boas práticas contribuindo, deste modo, para uma maior valorização de todo o trabalho realizado.

Recado deixado na secretária
Receber uma folha com frases em crioulo e sua tradução em português para que possa ir praticando e melhor comunicar quando voltar à Guiné faz parte dos momento a recordar. A certeza de que o trabalho não acabou na primeira semana de Julho, pois de vez em quando chegam pedidos de ajuda para revisão de trabalhos, aconselhamento de bibliografia ou de sugestões de materiais é, para mim, muito gratificante levando-me a crer que ” se há continuidade o começo é sempre possível”.