Testemunho de Bafatá

 

Coube-me finalizar o Projeto de Capacitação Pedagógica – Apoio ao desenvolvimento de capacidades na gestão pedagógica no centro escolar da Missão Católica de Bafatá, com o Curso III – Competências Transversais na Docência: Escola, Família e Sociedade, que resultou de uma parceria com a ONGD SolSef, o Centro de Formação de Professores do Oeste e a Cáritas Diocesana de Bafatá, cofinanciado pelo Instituto Camões.

Esta caminhada de cerca de três meses (de abril a julho) por terras de Bafatá revelou-me uma dura realidade e as imensas dificuldades no quotidiano das pessoas com quem me cruzei. Registei os seus olhares e vozes, mas também a força e resiliência para contrariar os obstáculos. E estes são muitos, como bem expressos na poesia que alguns escrevem regularmente e que usaram no seu “caderno de campo”, como este “Sombra di Poilão” de Areolino Maiaba:

Um Sonhador Assombrado

Vivo pelas sombras, porque quero ser,

Nas Sombras perdido, porque não há visão dos homens de amanhã,

Vivo sozinho porque estou perdido na penumbra da Terra perdida,

Vivo nas Sombras onde não há visão, esperança, tranquilidade, saúde e

nem tão pouco a educação por desejar,

Vivo sozinho nas sombras onde não há luz, mas sim no fundo de um poço.

Minha sombra quando! Quando é que a luz da esperança nasce para um

povo sofredor e assombrado.

Para mim, o mais difícil foi lidar com o sono frequentemente interrompido pelo calor, pelo ruído de gralhas e morcegos, pelo chamamento à oração dos muçulmanos.

Coisas menores face ao que os formandos tinham que enfrentar no seu dia a dia e que nos ajudam a relativizar os nossos problemas, nos mostram como somos realmente privilegiados. Constituiu seguramente uma oportunidade única de me testar, de me pensar nascida e criada naquele território e de me colocar na pele destes professores e das suas circunstâncias.

Como referi numa das minhas crónicas, trabalhar com este grupo de docentes não se apresentou difícil. Foram várias as situações desafiantes e provocadoras que lhes coloquei e a todas aderiram, ainda que algumas tenham causado desconforto e perplexidade.

Para além da formação, a convite do docente Elzeário Mateus, colaborei num programa de rádio dedicado ao “Contributo da Psicologia da Educação e dos Psicólogos para uma Escola Inclusiva”, integrado no tempo de antena de “Skola ta kumpu terra” (A escola constrói uma nação), a ser emitido na Rádio Sol Mansi.

Esta minha experiência em Bafatá fez-me pensar muito nas questões da escravatura, do colonialismo e do desenvolvimento e interrogar-me sobre o impacto de alguns dos projetos implementados em África e, neste país, em particular. Já tinha estado numa missão de voluntariado de um mês em Bissau em 2015 e, nessa altura, estes pensamentos não me tinham assolado tanto.

Digo a mim mesma que o trabalho que os formadores fizeram neste projeto ao longo de nove meses (agora reparo no valor simbólico deste tempo de gestação de uma vida humana) não terá sido em vão, que constituiu uma oportunidade rara por estas paragens e que todos os professores envolvidos se mostraram gratos.

O que me move não é seguramente o mítico pôr do sol africano (já vi melhor na peneplanície alentejana) ou o aspeto folclórico das várias culturas em presença e muito menos um regresso ao passado quando me lembrei da minha mãe menina e da minha avó que também carregavam pesos à cabeça, como o fazem ainda hoje as crianças e as mulheres nesta África subsariana.

Mas então o que procuro? Talvez o que realmente encontrei quando aos sábados de manhã, o Silvino me perguntava – como é que amanheceste? E quando sentia a apreciação da minha pessoa e do meu trabalho nos olhares e nas palavras que todos me dirigiam, bem como no carinho, nos gestos de despedida e no poema que Bacar Tchamo me ofertou:

As poeiras sobre o mar.

Estamos dispersos e tão longe de ponto de encontro.

Mas qual é o caminho que vamos seguir?

Já está quase chegando!

Ouvi gritos de bem-vindo, afinal, o vento arrastou todo o mundo para o mar.

Estou feliz porque cheguei à Guiné-Bissau, terra, umbigo e paraíso de Amílcar Lopes Cabral.

Acredito que os processos formativos, muito mais do que informarem, devem contribuir para que cada um perceba o seu potencial e encontre os meios para desenvolver os seus talentos, inspirando outros nesse percurso e deixando-se inspirar por aqueles com quem partilhou a caminhada.

Muito obrigada a todos e todas que me acompanharam neste trilho.

2 de setembro de 2022

Maria Teresa Santos
Voluntária da SMV