No passado dia 25 de Maio inaugurou no Palácio dos Duques do Cadaval em Évora aquela que se anuncia como a primeira edição do Festival Évora África. Até 25 de Agosto, a passagem por terras alentejanas merece um olhar atento a esta inusitada mostra da produção contemporânea de artistas nascidos no continente africano.
A visita à exposição que os galeristas André Magnin e Philipe Boutté prepararam a partir dos artistas que representam é uma oportunidade única para conhecer alguma da produção que tem vindo a ser feita por diversas gerações de criadores. De obras mais antigas, como as fotografias de Malick Sidibé ou os desenhos de Frédéric Bruly Bouabré, às produções recentes de Filipe Branquinho ou Phumzile Khanyile, sem esquecer os murais desenhados por Esther Mahlangu, tudo pode e deve ser apreciado nesta passagem pelo Palácio de Cadaval.
A visita guiada será a melhor oportunidade para conhecer e compreender o discurso dos artistas, as suas preocupações, os seus manifestos que estão muito para além da leveza do título “apelativo” da mostra: African Passions. Há ainda um programa musical que até Agosto se propõe demonstrar o enraizamento das novas produções musicais na tradição musical africana.
Talvez a peça mais surpreendente da exposição seja a obra de Romuald Hazoumè exibida na Igreja de S. João Evangelista (contígua ao Palácio). Trata-se de um traje religioso iorubá, “costurado” em borracha de pneu, ornamentado com pedaços de bidons de gasóleo entre outros materiais menores. OSA NLA, divindade maior, é o nome da peça, e a sua presença no centro de uma construção religiosa do século XV, ainda hoje espaço de culto, é uma excelente interpelação para a reflexão sobre a apropriação da arte – onde se apresentam as obras? a quem pertencem? o que pretendem aqueles que as exibem? que mensagem nos querem trazer? que vozes discursam numa exposição, num festival?
Estas perguntas podem ecoar um pouco mais na viagem pelo Alentejo, se decidir seguir em direção à Vidigueira e na Estrada das Sesmarias visitar a Quinta Quetzal que exibe “Drawing Africa on the Map” [Desenhando África no mapa]. Cinco artistas, de diferentes regiões do continente Africano, partilham as suas raízes artísticas através do frágil e cativante suporte que é o desenho. Uma série de animações de William Kentridge é, por si só, um motivo mais que suficiente para esta visita, mas outros certamente se encontrarão.
Se a criação de uma obra de arte – da ideia à sua materialização – e a sua exibição não são atos inócuos, desprovidos de intenção ou tensão, também a receção da obra de arte, a fruição do que é apresentado, não deve eximir-se ao exercício da reflexão, do questionamento e da crítica. Este percurso pela planície cheia de Áfricas, trazidas por mãos europeias, pode ser um momento propício para desenvolver este olhar mais atento.
Elisa Santos