Dia Mundial da Alfabetização (8 de setembro)

Alfabetização, integrar a leitura da palavra na leitura do mundo

 

Em 1967, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) declaram o Dia Internacional da Alfabetização a fim de promover debates e soluções para a alfabetização em todos os países, principalmente naqueles que apresentam um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo.

O Dia Internacional da Alfabetização 2020 foca-se na “Alfabetização e aprendizagem durante e depois da COVID-19”, especialmente no papel dos docentes e na evolução das pedagogias no âmbito da leitura e escrita dirigidas tanto a jovens como a adultos.

Para além do ensino obrigatório nas idades adequadas, preocupação das sociedades em geral, o grande foco da Alfabetização é a sua extensão a jovens e adultos que não conseguem ler nem escrever uma frase simples, hoje cerca de 773 milhões, que ficam à margem do desenvolvimento e mais suscetíveis à violência. De notar que ainda se contam 617 milhões de crianças e adolescentes que não têm um nível mínimo de competências, nem na leitura nem na matemática.

Para Paulo Freire, educador e filósofo brasileiro (1921-1997), grande dinamizador do conceito de Alfabetização e do método para a desenvolver, são indissociáveis a aquisição da leitura e da escrita e a “reflexão, argumentação e criticidade”. Paulo Freire pretendeu integrar a leitura da palavra na leitura do mundo, pois esta precede aquela. Ler a palavra e aprender a escrevê-la terá uma dinâmica integrada e criadora se vier articulada com a experiência que se tem do mundo e de estar em contacto com o mundo e em condições de nele participar ativa e conscientemente.

A Alfabetização e literacia perpassam o simples ato de ler e escrever. São partes fundamentais na organização da sociedade e responsáveis diretas pela auto-estima de mulheres, homens e crianças, além de serem chave integrante no combate à pobreza e injustiças sociais. Quanto maior for o conhecimento e o acesso à cultura letrada, maiores são as hipóteses de se conseguir um bom emprego e, por consequência, ter um salário que atenda as necessidades gerais e garanta cultura e lazer ao indivíduo.

Um dos objetivos específicos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é o de garantir educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Um fator de evolução na alfabetização é a possibilidade de uso das novas tecnologias. Elas são apontadas como uma grande oportunidade de se melhorar os índices globais, tornando o processo educacional mais completo e auxiliando o processo de aprendizagem, organização e envolvimento pessoal.

Nos dias de hoje, não basta, pois, saber ler, escrever e contar, mesmo se articulado com o conhecimento que se tem do mundo e consequente intervenção. Novas habilidades, inclusive em tecnologias de informação e comunicação, tornam-se cada vez mais necessárias. Vive-se num contexto de contínua inovação e, por isso, é fundamental que oportunidades de capacitação estejam disponíveis para todos os indivíduos, em todas as fases da vida, a fim de garantir a inclusão das pessoas num mundo que se reinventa a cada dia

(https://nacoesunidas.org/unesco-750-milhoes-de-jovens-e-adultos-no-mundo-sao-analfabetos/)
(https://www.un.org/es/observances/literacy-day)
(https://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/5217_2780.pdf).

Nesta linha de preocupações, situa-se a atividade da Ser Mais Valia, “associação que tem como objetivo constituir uma bolsa de voluntários com idade igual ou superior a 55 anos, para desenvolver projetos de voluntariado e cidadania, através da partilha de conhecimentos, competências e saber acumulado” em Portugal, nos PALOP ou noutros países.

Com esta declaração, cria-se uma dupla proposta: por um lado, espaço para desenvolver voluntariamente saber e experiência do mundo, em geral, e de áreas específicas, em particular, acumulados ao longo da vida e da atividade profissional; por outro, participação social, com o apoio à preparação de quem se orienta para atuar na sua área, em muito diversos domínios, muito em especial, a língua portuguesa. Neste contexto, o trabalho de Alfabetização é e, de facto, tem sido básico e relevante, sempre tendo como valores a promoção e defesa dos Direitos Humanos numa visão de contributo para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Podem referir-se diversas missões em São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique e Portugal, de que se dão dois exemplos:

a “Missão no Politécnico SOS em Bissau”, durante a qual uma associada trabalhou com vinte e cinco professores desta escola de ensino profissionalizante para jovens carenciados da comunidade, orientando um seminário com vista a atualização e aperfeiçoamento de competências transferíveis para a prática do professor e aprofundando técnicas no âmbito das Ciências da Educação – comunicação pedagógica, cooperação e trabalho de projeto, planificação e gestão de sala de aula. Relatou que “foi sem dúvida uma daquelas [formações] em que senti que valeu a pena pelo empenhamento e disponibilidade dos participantes. Como diz Paulo Freire, “o ato de ensinar não é transferir, depositar conhecimento no educando, mas é criar as possibilidades para a produção ou a construção do conhecimento, por isso que ensinar exige respeito aos saberes dos educandos, aos saberes sociais construídos na prática comunitária”;

(https://sermaisvalia.org/politecnicosos)

a “Missão Mulheres Africanas em Portugal”, projeto que vai de encontro à filosofia e ao foco da Associação SMV – estar onde podemos colaborar em acções de acompanhamento ou de capacitação, sempre com vista a um reforço de competências e de promoção da qualidade de vida dos destinatários. É uma acção local, num bairro próximo de Lisboa com uma população maioritariamente africana e onde a língua comum é o crioulo. Trata-se de mulheres de origem africana provenientes de Cabo Verde e residentes no Bairro Moinho das Rolas – Porto Salvo, Concelho de Oeiras. Têm idades superiores a 55 anos, nunca frequentaram a escola no seu país de origem, ou tiveram de a abandonar cedo, a maior parte delas não sabendo escrever o nome e lendo apenas uma palavra ou outra. Todas sentem vontade enorme de «assinar o nome em vez de pôr o dedo», de ler, de escrever e de compreender o que está escrito, de saber mais, mexer mais o corpo e contactar com os computadores. É acompanhado por cinco voluntários e contempla três vertentes: Língua Portuguesa, Movimento e Dança e Introdução à Informática

(https://sermaisvalia.org/mulheresafricanasemportugal/).

Luísa Alice
voluntária da SMV